15/03/2013

DAVID DINIS

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Mar de angústias

Lentamente, no Governo e na maioria, as dúvidas começam a colocar-se: é possível governar com esta montanha de dívida – e sem que exista um perdão, mesmo que curto, mesmo que disfarçado? Portugal deve mesmo voltar aos mercados – sendo que nunca conseguirá emitir dívida a juros tão baixos (sim, baixos) como os que tem hoje?

As dúvidas novamente levantadas nas últimas semanas sobre a sustentabilidade da zona euro afligem todos, mesmo os mais ortodoxos. As economias afundam-se; França e Holanda anunciam mais austeridade; O Chipre prepara-se para uma reestruturação de dívida; A Itália cai aos braços da instabilidade política; o BCE tarda em definir as condições de acesso ao programa de compra de dívida pública dos países sob assistência. E até as negociações no Ecofin começam a separar as soluções para Portugal das que serão aplicadas à Irlanda – o que representa um risco evidente para nós.

Pelos corredores do Parlamento, a desorientação dos próprios deputados da maioria nota-se à distância de um corredor – por onde, esta semana, corriam as certezas de que a revisão da troika não corria pelo melhor. Por onde se estranhava como, numa distância de cinco dias, a táctica política variava do namoro de Portas e Gaspar ao PS até à acusação de «demagogia» feita pelo primeiro-ministro.
Em plena sétima avaliação, o clima na maioria é, portanto, de angústia.
Já nos corredores do Largo do Rato, antecipa-se que o correr das ‘manifs’ levem ao desgoverno do país. Antevê-se um problema para o Governo na decisão do TC. E, não muito distante, um novo prenúncio de ruptura na coligação. 

Com a incerteza dos tempos, Seguro conteve-se na afirmação de uma alternativa política total. Mas permitiu que alguns elementos da sua direcção fossem à manifestação contra a troika, quando o PS não se diz contra a troika. Será que alguém no Rato leu aquele manifesto ?
‘Manif’ e numerologia
No meio do turbilhão, da contestação, da natural angústia, tudo empurra para o precipício – ignorando o facto de que podemos cair muito mais fundo ainda. Pretende-se que Cavaco grite contra o Governo; encosta-se Passos Coelho a coisas que ele não disse realmente; esbraceja-se com números tremendos sobre a ‘manif’ de sábado.
Ao longo da semana, a polémica sobre os números foi desvalorizada. Normalmente concordo, desta vez não: se estivesse milhão e meio na rua contra o Governo tínhamos claramente chegado ao ponto em que era impossível governar. Não foi assim.
A ‘manif’ foi impressionante, claro. Grande, ordeira, tristemente silenciosa. Bonita – num certo sentido trágico. Muita gente, muita mesmo, já não acredita em nada disto. Mas – é bom dizê-lo – muitas outras ainda querem acreditar. 

O que não sei, ninguém sabe, é se aguentam muito mais tempo nesse estado. A ouvir a frieza com que o primeiro-ministro lhes fala. Eu sei que é dele, é de feitio. Mas o povo não é assim. Não neste Sul. Nem o mais racional. E quem comanda tem que saber isto, lembrando-se da lição de António Damásio: a emoção e a razão são um só, não se separam senão na morte.


IN "SOL"
11/03/13


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