06/03/2013

ALEXANDRA MACHADO

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 Águas de Março

Numa altura em que a "Grândola Vila Morena" regressou como hino do protesto, as manifestações deste fim-de-semana, no entanto, trouxeram-me à memória outras músicas. Ainda mais quando muitos dos relatos de sábado davam conta de marchas silenciosas, de rostos fechados, de palavras sem sons.
É o sinal do desalento. Por mais manifestações que se possam (e devam) fazer, a folha de salário ao fim do mês (para quem ainda a recebe) é mais uma punhalada. Cada compra no supermercado é um ataque silencioso, ou cada ida a um restaurante. Cada factura da electricidade. Cada passagem pela bomba de gasolina. Safam-se os juros da compra da casa, mas logo o IMI chega para pagar. Cada número do desemprego silencia mais um pouco. Cada empresa fechada é mais uma punhalada. "É pau, é pedra, é o fim do caminho", cantava Elis Regina. E é essa a letra que me assalta quando vejo os manifestantes. São as águas de Março. "Das águas de março, é o fim da canseira". Será? 

Os rostos mostram a canseira e não o seu fim.

"É o fundo do poço, é o fim do caminho; No rosto o desgosto, é um pouco sozinho; É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto; É um pingo pingando, é uma conta, é um conto". A letra pode ser compreendida de várias formas. Mas olho para os restos e vejo: "É um espinho na mão, é um corte no pé".

Não penso que está tudo mal. Penso, ainda, que o País tem salvação. Que não é o fim do caminho. Houve, antes, quem tenha passado por pior. Quem nunca teve tanto. Mas o que silencia é olhar para o futuro. Que futuro?

Espanha está com cinco milhões de desempregados. Portugal caminha, silenciosamente, para o milhão de desempregados. E custa ver os números a aumentar pelo facto de haver muitas empresas que chegaram ao fim do caminho por incompetência dos seus gestores, mas ainda mais quando se chega ao fim do caminho por não haver clientes, por não haver Estado, por não haver banca, por não haver mercado. São as águas de Março. As águas feitas de lágrimas e de suor. "É uma ave no céu, é uma ave no chão; É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão". Há tanto nesta letra, escrita por Tom Jobim. E olho para os rostos da manifestação. É toda a gente que ali está. Não são os pobres. Não são os ricos. São todos. Uma grande classe média.

Esperemos que o eco chegue onde tem de chegar. São as águas de Março e "é a promessa de vida no teu coração".


*Jornalista


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
05/03/13

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