04/01/2013

RICARDO ARAÚJO PEREIRA

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Um mediano Natal 
e um ano novo cheio 
de moderada felicidade 

Cavaco tem sentido de responsabilidade na altura de formular votos de ano novo. Não deseja um bom ano, deseja um ano tão bom quanto possível. 

Era o que faltava que o nosso povo, depois de ter passado anos a viver acima das suas possibilidades - segundo dizem pessoas que vivem, em geral, bastante bem -, ainda tivesse um ano novo melhor do que é possível Eu gosto muito do Natal, pois ele dá-nos o leite e a pele para fazer sapatos.

Peço desculpa, entusiasmei-me com o ambiente de mensagens natalícias pueris e baralhei duas redacções que estava a preparar. É possível que a mensagem de Natal do Presidente da República tenha exercido sobre mim uma influência muito nociva. Não sei se o leitor teve a oportunidade de ver o vídeo. Está o casal de Cavacos em frente à árvore de Natal, e diz ele: "O Natal é um momento especial para todos. Ninguém fica indiferente ao Natal." 

Depois, vê-se que deseja acrescentar que gosta muito do Natal, pois ele dá-nos o leite e a pele para fazer sapatos, mas retrai-se. Continua a dizer coisas sobre a família, os que mais sofrem e a partilha fraterna. Enquanto isso, ela vai concordando com a cabeça. A seguir, trocam. Enquanto ela diz coisas sobre a família, os que mais sofrem e a partilha fraterna, ele concorda com a cabeça. No fim, partilham fraternalmente os votos: ela deseja a todos um Feliz Natal, ele deseja-nos um ano de 2013 "tão bom quanto possível". Este momento é bastante comovente, por ser verdadeiramente original.

A esmagadora maioria das pessoas costuma desejar "bom ano". Cavaco tem sentido de responsabilidade na altura de formular votos de ano novo. Não deseja um bom ano, deseja um ano tão bom quanto possível. Era o que faltava que o nosso povo, depois de ter passado anos a viver acima das suas possibilidades segundo dizem pessoas que vivem, em geral, bastante bem, ainda tivesse um ano novo melhor do que é possível. Cavaco não pactua com excessos de felicidade.

Quando se pensava que estava tudo visto no âmbito dos votos de boas festas, o primeiro-ministro e o Governo foram ao Palácio de Belém cumprimentar o Presidente. Todas as cartas de amor são ridículas, mas não tanto como as saudações natalícias entre altos dignitários do Estado. 

A convivência da retórica política com o discurso normalmente associado ao Natal produz um efeito que só a caridade natalícia impediria de considerar caricato. Uma coisa é desejar "boas festas". Outra é desejar "boas festas num quadro alargado de cooperação institucional dos organismos políticos e democráticos". Pessoalmente, achei a troca de palavras fraterno-políticas bastante engraçada. Mas apenas tão engraçada quanto possível. Não gostaria de ultrapassar os limites do possível, também na comicidade. Há que cortar um bocadinho em tudo.

IN "VISÃO"
03/01/13

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