03/12/2012

MANUEL TAVARES







O coro das reformas douradas 

A vida está difícil para todos, embora todos saibamos quanto é falsa a afirmação de que todos vivemos muito acima das nossas possibilidades. Ou seja: que todos tenhamos gasto muito para além do dinheiro de que dispúnhamos. Torna-se, por isso, insuportável ouvir o coro daqueles que se queixam dos cortes nas suas reformas douradas. 

O coro das reformas douradas ouve-se muito para além da sua dimensão porque congrega pessoas que passam bem nos meios de comunicação social, em particular nas televisões, por serem conhecidas e reconhecidas como guias de opinião. E ainda porque acrescentam a esses dotes a circunstância de pertencerem aos meios sociais em que assenta a base de apoio do atual Governo.

Neste coro distinguem-se as vozes de alguns barões da linha elitista e liberal do PSD urbano, de alguns democratas cristãos da linha olha para o que eu digo mas não olhes para o que eu faço e até, imagine-se, um dos pais do regime. Pondo de parte um ou outro caso de verdadeiro totoloto, como, por exemplo, uma pensão vitalícia por um curtíssimo semestre de trabalho no Banco de Portugal, acredito que cada um terá certamente razões de queixa, a principiar pela mais simples de todas: se beneficia de uma dessas reformas douradas foi porque a contratou com o Estado social que temos -- ou tínhamos.
Porém, o capital de queixa deste coro não pode sobrepor-se ao dos outros reformados e pensionistas que, esses sim, sofreram cortes implicando novos e muito mais baixos padrões de vida ou até a queda para a fronteira da pobreza.

O coro das reformas douradas pode dar muito jeito ao circo mediático e até dar a sugestão aos mais incautos de que pode ajudar a construir uma alternativa política. Por mim, não esperaria que daí viesse a solução dos meus problemas. Não me parece que privilegiados do tempo das vacas gordas, possam transformar-se em bons samaritanos deste tempo de vacas magras e magríssimas.
A segurança mínima de vida decente - alimentação, habitação, saúde, transporte - para quem atinge a Terceira Idade deve ser um património inamovível. Que terá de caber em todos os redesenhos que possam vir a ser apresentados em prol da sustentabilidade conjugada dos sistemas fiscal e de segurança social.

Num quadro tão grave de cortes sociais, o coro das reformas douradas acaba por ser sobretudo a expressão de egoísmos com pretensões de legitimidade política. Os outros pensionistas e reformados cujas vidas se desqualificaram com impacto devastador em si próprios, nas famílias e nas empresas cujos produtos consumiam, esses têm pouco palco no "prime time" da TV. Embora já tenham criado, a partir de Coimbra, uma associação com um nome que diz tudo: APRE. 

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
01/12/12

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1 comentário:

Anónimo disse...

Não percebi. Qual é a definição de reforma dourada? Eu descontei e tenho uma reforma em conformidade que não é má mas diminui constantemente. Só não sei se se pode chamar dourada. E podia ser mais claro sobre a APRE?
Sei que muitos têm reforma muito inferior à minha. Devo por isso apoiar o Gaspar?