05/10/2012

HELENA CRISTINA COELHO




 Papas e tolos 

Em tempos de prosperidade, a história não passaria de um ‘fait divers’ ou de uma engenhosa estratégia de marketing. A Nestlé, que enfrenta quebras de consumo em vários produtos, viu uma das suas principais marcas de papas contrariar a tendência e aumentar as vendas em 7% no mercado português.

 A explicação? Crise, diz a empresa, que leva os portugueses a optar por uma refeição que lhes custa pouco mais de 23 cêntimos. A crise que, já em 2003, quando o país estava de "tanga", justificou o mesmo fenómeno de consumo, como o responsável da multinacional contou ao ‘Público' esta semana. 

Só que os tempos são de austeridade e uma história como esta pode traduzir bem mais do que uma simples preferência de consumo: pode ser também (mais) um sinal da mudança forçada de hábitos a que os portugueses estão obrigados. Desde que a crise rebentou e os apuros orçamentais em que o país se descobriu levaram à intervenção da ‘troika', os sacrifícios dos portugueses têm crescido a um ritmo sufocante: redução de salários, perda de subsídios, corte de benefícios, sobrecarga fiscal. Uma a uma, as medidas foram apertando o torniquete. E ontem, com o anúncio de mais impostos, o Governo só torceu um pouco mais o já sufocado orçamento das famílias. Talvez por isso não se estranhe que, ao chegar ao final do mês, muitos portugueses levem pouco mais do que um prato de papa à mesa. Uma opção que, para muitos, deixou de ser uma preferência: tornou-se uma emergência.

As propostas que o ministro das Finanças ontem apresentou como uma alternativa, revista e suavizada, à anterior intenção de reduzir a Taxa Social Única - aquela em que os trabalhadores iriam pagar mais 7% do seu rendimento e as empresas, pelo contrário, beneficiariam de uma redução - podem agora ser vendidas como medidas mais benéficas. Uma espécie de papas e bolos para compensar a amargura recente dos portugueses. Só que este país já não é para tolos. E este Governo já não tem margem para iludir mais os portugueses. 

O próximo Orçamento do Estado, que parece insistir em atacar os bolsos das famílias com mais taxas e sobretaxas, não pode esperar por 2014 para revelar e executar o seu plano de combate às despesas do Estado. Não pode retirar um ou dois salários aos trabalhadores e agravar os escalões de IRS quando, ao mesmo tempo, chuta os próprios sacrifícios do Estado para daqui a um ou dois anos. O teste mais duro que o Governo tem de passar já não é da ‘troika': é do país. O mesmo país que olha desconfiado para um Executivo em que o primeiro-ministro anuncia medidas de austeridade como inevitáveis ao lado de um invisível e (aparentemente) acomodado Paulo Portas. Ou que suspeita do futuro de uma coligação em que Passos Coelho dá a cara por mais impostos, enquanto os parceiros centristas exigem coragem para cortar na despesa. Perdido nestas contradições, o Governo arrisca-se a arruinar este Orçamento. Resta saber se não serão os planos do Orçamento a arruinar o Executivo.

Tanto barulho para... nada?
A greve geral que a CGTP agendou para o próximo dia 14 de Novembro tem um alvo: as medidas de austeridade. É legítimo, há razões para o cansaço e para a revolta, há direitos de expressão a respeitar. Um movimento assim, contudo, devia ser consequente. Como o foi a manifestação de 14 de Outubro contra propostas concretas do Governo que resultaram num recuo do próprio Executivo. Parar o país quando empresas e cidadãos precisam de manter a economia em movimento pode ser um protesto legítimo. Mas, se não resultar em mais do que uma suspensão do país, serve exactamente para quê?

 Subdirectora

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
04/10/12

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