30/08/2012

CLAUDIA TORRES


  
A perda

A idade carrega consigo muitas mazelas, e outras tantas vantagens. Uma delas é seguramente a capacidade de ouvir os outros, de apreciar o lastro distante da dor alheia. Por esta altura em Portugal há notícia da morte de crianças por afogamento. E que coisa pior podemos ouvir dos outros do que falar da morte de um filho. Deste sentimento contranatura de morrer o mais novo de todos. Que consolo podemos dar a quem relata com voz miudinha e sumida esta perda? Na lógica das coisas seríamos sempre os primeiros. Há aqui uma perversão profunda da ordem do mundo. Insanável. Ouvir falar uma mãe da perda de um filho é avassalador. Moer a dor de outra pessoa. Partilhar a emoção do relato quase sempre no presente do indicativo quando a realidade grita que não será mais assim. Aquela mãe perdera um filho de repente. Sai de casa de manhã, despede-se com um beijo, e é atropelado mais à frente. E o dia passa, e os outros a seguir, e para esta mãe a vida está irremediavelmente interrompida. Esta dor é difícil de escutar porque é maior do que a mãe que ma conta, maior do que nós, põe fim àquilo que temos por certo. Nada se pode dizer neste momento que faça sentido. Sem manual de instruções remoemos esta dor alheia mas já não estranha. A criança que sai pela última vez, cujo regresso não há, cujo nome se repete à exaustão como num eco. A mãe deseja refazer o dia, as horas antes, mudar o curso da história, mas a crueza da realidade impede-a. O bolo de anos que não se volta a soprar. A criança que ninguém quer esquecer e que custa tanto lembrar. Os dias alinhados com uma lógica, uma ordem, que não existe em mais nada. Nem na morte, nem na vida. O que posso eu dizer a esta mãe que de repente julga que o deixou de ser? A quem se recusa a presença do filho, o seu olhar, o seu sorriso, o seu amor. O que acontece ao dia seguinte quando para de vez o tempo?


IN "AÇORIANO ORIENTAL"
27/08/12

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