06/07/2012

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HOJE NO
"i"

 Contratos. 
Operadoras de telecomunicações 
usam e abusam da fidelização 

Telecomunicações são o sector com mais reclamações. 
Em 80% dos casos os clientes ganham as arbitragens 

Maria Gonçalves assinou em Outubro de 2011 um contrato com uma das operadoras de telecomunicação para um pacote de serviços fibra com TV, internet e telefone. No passado mês de Maio perdeu parte dos recursos de que dispunha e foi obrigada a mudar de casa, porque já não comportava o aluguer anterior. Na nova área de residência, a operadora não tem serviços fibra. Interessada em procurar outra oferta que lhe permitisse ter acesso à TV fibra, Maria Gonçalves decidiu pedir à operadora a rescisão do contrato. E foi confrontada com a exigência de pagamento das mensalidades correspondentes aos meses que faltavam até ao termo do período de fidelização de dois anos, uma exigência normalmente aplicada pelas operadoras de telecomunicações – e que os juristas da Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumidores (DECO) dizem ser desprovida de fundamento legal, quando, em casos como este, foram alteradas, por razão independente do cliente, as circunstâncias que estavam em vigor na altura da assinatura do contrato. 

“As operadoras de telecomunicações exigem o valor referente ao período de fidelização em variadas situações e também quando não o podem fazer, ou seja, quando há um incumprimento contratual por parte da operadora de telecomunicações, não obstante o consumidor pagar atempadamente as facturas”, disse ao i Diogo Nunes, jurista num dos centros de arbitragem da DECO. 

 O sector com mais reclamações na DECO são as telecomunicações. Com uma tendência clara de aumento. Em 2010, esta entidade registou um total de 78 151 reclamações referentes a este tipo de serviços, enquanto o ano passado recebeu um total de 87 135 reclamações. No primeiro semestre deste ano recorreram à arbitragem da DECO com problemas deste tipo 20 357 cidadãos. 

Certas práticas das operadoras desenham-se na fronteira dos direitos do consumidor, por exemplo, o facto de privilegiarem o contacto telefónico. Os consumidores ficam na impossibilidade de apresentar prova de que já apresentaram reclamação contra a má prestação do serviço. “O cliente reclama através do número de atendimento e, quando depois a operadora lhe pede que comprove que fez as reclamações não consegue fazê- -lo”, salienta Diogo Nunes. 

 Quando entrou em vigor a lei do desbloqueamento dos telemóveis, a ANACOM estabeleceu um período de fidelização não superior a 24 meses. É este limite que as operadoras depois aplicam nos contratos para todos os serviços dos pacotes que oferecem. Sempre que o cliente pede rescisão de contrato é-lhe exigido que regularize todas as mensalidades do período que falta até ao termo dos 24 meses. São frequentes casos em que as operadoras fazem exigência desta penalização também quando o consumidor faz alteração de morada por justo motivo – seja por situação familiar seja profissional, ou por motivo de desemprego, o que acontece cada vez mais. Os consumidores ficam obrigados a manter os serviços ou a pagar a fidelização de forma a reduzir custos. 

Segundo os juristas da DECO, um dos motivos que a lei protege para uma rescisão de contrato é existir incumprimento contratual da operadora – por exemplo quando o cliente tenha verificado deficiência ou alteração para pior na qualidade dos serviços prestados pela operadora. Se a operadora deixa de cumprir o contrato, passa a existir motivo justo para o consumidor resolver o contrato. O cliente tem um justo motivo para cancelar o contrato e não lhe pode ser exigido o pagamento das mensalidades restantes do período fidelização. “Sem qualquer tipo de penalização, pois o período de fidelização só faz sentido quando existe uma contrapartida por parte da operadora de telecomunicações”, sublinha Diogo Nunes. 

Já acontece cada vez mais, nesses casos, as operadoras proporem ao cliente a manutenção da exigência de fidelização ao serviço, mas usufruindo de um tarifário mais reduzido. Isto não significa que o cliente tem de aceitar esta proposta. Sendo o incumprimento contratual alheio ao consumidor, só pode ser imputado à operadora. 

Diogo Nunes frisa que, “se existe de facto um incumprimento contratual e o serviço não está a ser prestado de acordo com aquilo que estava previsto no contrato, e apesar disso o consumidor é obrigado a pagar uma fidelização, a cláusula em que prevê o período de fidelização é abusiva”. E esta é “a única interpretação possível num caso destes, pois trata-se de uma transgressão contra os princípios basilares do direito – se existe incumprimento, a operadora é obrigada a cancelar o contrato sem direito a pedir qualquer penalização”, diz o jurista da DECO. 

No caso referido acima, se se confirma ter sido havido justo motivo para alteração de residência e a operadora não consegue fornecer na nova morada do cliente o serviço anteriormente acordado, verifica-se dificuldade de cumprimento por parte da operadora e o contrato deverá ser resolvido sem qualquer penalização do cliente. E esta é só uma das situações que justificam plenamente, segundo o gabinete de apoio jurídico da DECO, uma rescisão que não permite à fornecedora de serviços pedir o pagamento do restante período de fidelização. O que muitos consumidores desconhecem. Desemprego ou outra alteração da situação profissional que implique redução de rendimentos e impossibilidade de pagamento das mensalidades dão ao consumidor o direito de abandonar o contrato sem penalizações. 


* As operadoras de telecomunicações, tal como os bancos e seguradoras, são verdadeiros polvos à espera dos peixes incautos, os clientes. Se achar que está a ser "assaltado" vá à DECO.


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