13/04/2012

RICARDO ARAÚJO PEREIRA







Cacete ensina jornalismo gratuitamente

A fotojornalista foi agredida e quem captou o acontecimento foi um seu colega. É uma falta de profissionalismo inadmissível. Talvez para a próxima esta jornalista tenha a máquina a postos quando estiver prestes a ser espancada pelas forças de segurança

A fotografia que mostra um polícia a dar uma bastonada preventiva a uma impertinente fotojornalista demonstra bem o estado em que o país se encontra: a situação é difícil, mas nem tudo são desgraças. Vi a fotografia e fiquei mais tranquilo. A estupenda cacetada corrigiu várias imperfeições. Primeiro, uma imperfeição cívica. Estes fotojornalistas andavam a pedi-las há muito, pelo perigo que representam para a sociedade. Recordo a tragédia que duas ou três dezenas destes profissionais podem causar quando perseguem princesas inglesas em Paris. Talvez houvesse uma princesa estrangeira nas imediações do Chiado e o polícia tenha sentido que poderia salvar vidas reais com um simples golpe do pulso.

Por outro lado, a bastonada castigou, e de que maneira, a incompetência. A fotojornalista foi agredida e quem captou o acontecimento foi um seu colega. É uma falta de profissionalismo inadmissível. Talvez para a próxima esta jornalista tenha a máquina a postos quando estiver prestes a ser espancada pelas forças de segurança. São lições que o sarrafo ensina com muito mais eloquência do que a universidade. Por mais que tente, um chumbo num exame não consegue ser tão pedagógico como uma cicatriz na cabeça, ou um vergão no lombo.

O agente que salvou o país e a própria humanidade deve estar orgulhoso. Livrar o mundo de larápios, de desordeiros e de fotojornalistas do sexo feminino são algumas das principais razões que levam alguém a inscrever-se na polícia. Quem nunca brincou, em criança, aos polícias e fotojornalistas? Quem não recorda as séries policiais em que os melhores detectives tentam caçar os fotojornalistas mais pérfidos e astutos?

Ao que parece, o agente reagia a provocações dos manifestantes. Neste ponto, é justo reconhecer o modo como as costas da fotojornalista contribuíram para o alívio das tensões sociais. Este seria, aliás, um bom método para aplicar, por exemplo, no mundo do trabalho. Em cada empresa, haveria um fotojornalista. Sempre que houvesse conflitos laborais ou outros, os ofendidos espancavam o fotojornalista e voltavam ao trabalho revigorados. Pode ser que agora se comece a pensar nisso.

O Presidente Cavaco Silva também se interessou pelo caso e disse que é importante averiguar tudo o que se passou naquela tarde. Nomeadamente, porque é que só dois jornalistas apanharam. Ao que parece, o inquérito já decorre, e estará concluído mal se acabe de averiguar tudo o que se passou há 18 anos, na Ponte 25 de Abril.



IN "VISÃO"
04/04/12


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1 comentário:

fatima.medeiros disse...

Qualquer dia destes, faz-se a vontade à dra Ferreira Leite e suspende-se a democracia por um bom tempo para que se aplique a austeridade sem qualquer manifestação de desagrado.