02/04/2012

CARLA HILÁRIO QUEVEDO



Pesadelo amoroso

Tive pena de não poder assistir à tertúlia da passada semana organizada pelo SOL no restaurante Oito Dezoito. O tema em cima da mesa era o amor e, segundo li na edição impressa do jornal, Maria do Céu Santo fez uma observação surpreendente.

Muita gente que se diz adulta manifesta um desejo de voltar aos amores da adolescência. Fiquei logo a pensar no que levaria pessoas crescidas a sonhar com uma época sobretudo parva da vida. Os amores adolescentes são românticos e apaixonados e talvez este aspecto interesse a quem não experimentou a intensidade amorosa na fase adulta ou a quem tem uma vida pouco alegre. Mas talvez o desejo revele um ponto mais positivo. É possível que em anos de vida familiar, num quotidiano exigente, os casais se tenham esquecido de namorar. Assim penso que percebo melhor por que motivo querem ter 18 anos outra vez. Mas se não há namoro também muitas vezes já não há amor, e a vida a dois sem amor é cinzenta. Confesso, no entanto, que não sei do que a maioria fala quando fala de amor. Por mim, é simplesmente o que nos une há mais de uma década. Só sei que não quero voltar ao fastio dos 18 anos, quando não te conhecia nem sabia quem era.

Sempre bem

Há dias tiveram o atrevimento de me perguntar qual é o meu tipo de homem. Respondi que era um pouco mais alto do que eu, com cabelo, bigode e barba de cor castanha clara, os olhos castanhos não muito escuros e um sotaque castelhano. Ou seja, George Clooney não é o meu sonho, mas concordo que é um belo rapaz. No entanto, talvez as suas maiores qualidades sejam a sua inteligência e sentido da decência. Clooney não é a típica estrela frívola de Hollywood. Mas também não é o activista chato como a potassa, ao estilo de Sean Penn ou Susan Sarandon. Vimo-lo há pouco em Washington a ser levado para a esquadra com algemas, por ter estado a protestar à frente da Embaixada do Sudão contra a crise humanitária devastadora no país. Até ficámos a conhecer o pai, que o acompanhou na manifestação. Clooney sorriu para as câmaras e chamou a atenção para o problema tal como pretendia, afastando a curiosidade mediática de si próprio. Disse apenas que o tempo que passara na prisão tinha sido «agradável». O tom de descontracção deixa antever um modo de vida cool. Que bom seria se todos os activistas fossem assim: tranquilos, elegantes, civilizados, com sentido de humor…

Kony não é uma estrela

O vídeo viral sobre o chefe guerrilheiro do Uganda, Joseph Kony, a monte há muito tempo, não terá servido os objectivos que Jason Russell, da organização não-governamental Invisible Children, imaginara quando o realizou. A chamada de atenção sobre o criminoso mais procurado do planeta depois da morte de Osama Bin Laden não foi bem recebida por Alex de Waal, director da World Peace Foundation, que considera que fazer de Kony uma estrela mediática, com a sua cara estampada em camisolas e canecas, que por sua vez são vendidas pela Invisible Children para ajudar a causa, não é a melhor maneira de tratar o problema. A campanha parece, aliás, ter levado o próprio Jason Russell a uma depressão nervosa. Não é estranho. Expor um monstro responsável por homicídios, abusos e mutilações e pelo recrutamento de crianças para o seu exército não dá saúde a ninguém. O problema neste caso parece estar na chamada de atenção para atrocidades cometidas há seis anos, expondo o carrasco e criando uma manobra visual forte para que os seus actos não sejam esquecidos. A intenção parece boa. Mas o mundo é suficientemente ruim para confundir o verdugo com uma estrela pop.

Moscas compensadas

Uma equipa de cientistas na Universidade da Califórnia fez a seguinte experiência com moscas. Numa caixa foram colocadas fêmeas que seriam não só virgens, mas também receptivas às investidas dos machos. Noutra caixa, as fêmeas estavam satisfeitas na sua vida de moscas adultas e nem olhavam para os machos que ali estavam à sua disposição. Após o encontro, foi dada uma certa quantidade de álcool a todos os machos: os primeiros recusaram a bebida e os segundos apanharam uma bebedeira. A experiência parece sugerir que, pelo menos nas moscas, haverá um químico no cérebro que as faz procurar uma compensação para o que lhes falta. Os cientistas não tardaram a querer inventar se a espécie humana funcionaria da mesma maneira. Assim de repente, sem experimentar nada com ninguém, diria que não. Nem mesmo nos casos dos que bebem para esquecer. A vida humana não é assim tão estúpida nem o problema do alcoolismo se resume à falta de sexo. Prefiro pensar em maneiras mais originais de apanhar moscas. Assim a experiência tem consequências úteis para o nosso quotidiano. Já sabemos há muito tempo que não se apanham moscas com vinagre. Hei-de experimentar com Tullamore Dew.

Antes tarde

Imagino o inferno na terra em países como os mencionados Sudão e Uganda, o Irão, o Afeganistão, o Sri Lanka, certas zonas de Amesterdão, um bar onde estive uma vez em Frankfurt e qualquer casa de banho em Pequim. De vez em quando tenho a ideia um pouco extravagante de que o Diabo tem residência fixa na Goldman Sachs. Greg Smith, executivo de topo no banco de investimento, decidiu ‘bater com a porta’ da companhia onde trabalhou durante 12 anos. Segundo o próprio escreveu no The New York Times, a Goldman Sachs, por muito que nos custe a crer, era um sítio íntegro até há bem pouco tempo. O seu objectivo fundamental consistia em dar a ganhar o máximo possível aos clientes, sendo que estes estavam sempre em primeiro lugar. Hoje em dia, a pergunta mais repetida na empresa é: «Quanto é que sacaste ao cliente?». Por causa deste modus operandi sem escrúpulos, Greg Smith optou por se demitir e por denunciar aquilo que acredita ser o princípio do fim da empresa. Na verdade, se houver justiça neste mundo, qualquer modo de exploração e extorsão será condenado e terá o seu fim. Mas sabemos que a justiça não existe e que o mundo é cru. É por isso que devemos ter leis melhores.


IN "SOL"
26/03/12

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