18/03/2012

LUCIANO AMARAL



O regresso da realidade

O Irão cada vez mais próximo da bomba nuclear; a Rússia sujeita a mais uma fraude eleitoral; a ditadura síria reprimindo ferozmente os seus oponentes; as “primaveras árabes” resvalando para o fundamentalismo (veja-se o Egipto ou a Líbia).

Por cima de tudo isto, uma União Europeia em aparente processo de desagregação.

O mundo revela hoje como foi trágico o momento de suspensão da realidade vivido por alturas do fim do mandato do antigo presidente americano George W. Bush e da vitória do actual, Barack Obama. Ninguém se lembra, mas todos os horrores tinham origem em Bush, e a Europa via-se como uma "civilização" diferente e superior à América, socialmente justa e recusando guerras. O presidente Obama começou o mandato a enviar mensagens ao Irão em farsi, a prometer carregar no botão ‘reset' com a Rússia, a anunciar um "novo começo" com o "mundo islâmico" (no famoso discurso do Cairo de Mubarak, apenas a dois anos da revolução). De caminho, prometeu também fechar o ‘gulag' de Guantánamo, acabar com os "voos" e as "prisões secretas" e demais barbaridades da Guerra ao Terror. Naquele tempo tudo era culpa da América.

Passaram quatro anos, mas parecem um século: o Irão, a Rússia e o "mundo islâmico" ignoraram inteiramente as propostas de apaziguamento. A América mantém Guantánamo, os voos e as prisões secretas, enquanto não consegue ter uma política coerente sobre as transformações árabes. De tanto prometer entender-se com as antigas ditaduras seculares, foi surpreendida pelas revoluções e vai deixando brotar novos regimes terroristas. Ignorou a "revolução verde" do Irão em 2009, tentou aguentar Mubarak em 2011, mas lançou-se na absurda guerra da Líbia e anda perdida na Síria. Para mais, a Europa entretém-se a desfazer o seu "superior" modelo social (pelo menos na Europa do sul), ao mesmo tempo que se lança em guerras africanas e se afunda numa crise existencial.

Há quatro anos quis-se pôr todo o lixo do mundo no saco. Mas parece que afinal o saco estava roto e o lixo saiu por outro lado. E quando o mundo ocidental mais precisava da liderança da América, ela recusa-se a oferecê-la. Apesar de as bombas do Médio Oriente fazerem mais barulho, a crise europeia talvez seja mais grave: o projecto europeu sempre foi tanto europeu propriamente dito quanto americano. A Europa sempre precisou da América para se pôr de pé. Pois é o presidente mais amado pelos europeus que maior ignorância demonstra sobre o que significa a Europa e maior incapacidade revela para a ajudar a encontrar uma solução. Foi bonita a festa, pá, mas a realidade regressou.


 Professor Universitário

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
15/03/12

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