16/03/2012

FILIPE LUÍS






  

A ditadura das Finanças
Um novo poder ressuscita o
. Ministério das Finanças de... 1928!

Por baixo do manto diáfano da troika, estende-se um novo poder, que ressuscita, mais de 80 anos depois, a política do Ministério das Finanças empossado em 1928. A polémica em torno da gestão das verbas dos fundos europeus do QREN veio precisar as quatro regras de ouro do Governo:
a) Que cada ministério se compromete a limitar e a organizar os seus serviços dentro da verba global que lhes seja atribuída pelo Ministério das Finanças;
b) Que as medidas tomadas pelos vários ministérios, com repercussão direta nas receitas ou despesas do Estado, serão previamente discutidas e ajustadas com o Ministério das Finanças;
c) Que o Ministério das Finanças pode opor o seu "veto" a todos os aumentos de despesa corrente ou ordinária, e às despesas de fomento para que se não realizem as operações de crédito indispensáveis;
d) Que o Ministério das Finanças se compromete a colaborar com os diferentes ministérios nas medidas relativas a reduções de despesas ou arrecadação de receitas, para que se possam organizar, tanto quanto possível, segundo critérios uniformes.
Estas quatro alíneas são uma invenção de Passos Coelho? Não. Elas foram proferidas, palavra por palavra, há 84 anos (a 27 de abril próximo) por um remoto antecessor de Gaspar. Um tal António de Oliveira Salazar, na sua tomada de posse como ministro das Finanças. E as condições de Salazar parecem-nos bem atuais.
É verdade que Salazar pôs em ordem as Finanças - o que, à partida, pode animar o seu homólogo do século XXI. Mais: tal como Salazar sucedia a um ministro das Finanças desajeitado, Sinel de Cordes, Gaspar sucede a um ministro infeliz, Teixeira dos Santos - ambos, para o bem e para o mal, considerados responsáveis por pesadas heranças. No entanto, convém que o nosso simpático "ditador" das Finanças atual tenha presente que as coincidências acabam aqui. Nem os regimes, nem os protagonistas - nada! Nada tem a ver com a realidade de 1928. Em primeiro lugar, porque Gaspar não tem a facilidade de, escudado por uma ditadura militar, poder impor, por decreto, as suas medidas. Em segundo lugar, porque Salazar só conseguiu trabalhar mantendo condições de miséria e total ausência de estado social, de que os portugueses há muito se desabituaram. É caso para dizer: "Assim, também eu!" Com efeito, enquanto os portugueses de então nada tinham a perder, os atuais compatriotas do ministro das Finanças conheceram o outro lado: a imprensa livre, o estado social, o consumismo, a cidadania europeia e o euro.
Assim, o desafio de Vítor Gaspar é o de repetir as passadas do seu antigo antecessor mas, desta vez, em democracia e com sensibilidade social. Uma quadratura do círculo que não tem outro remédio senão aceitar.
Entretanto, bem pode Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia, lamber, em silêncio, as feridas de uma desautorização pública que durou quase uma semana. Pode até contar com a solidariedade de um certo PSD, assustado com o crescente poder do ministro das Finanças. Que Vítor Gaspar, ainda incólume, todo-poderoso, espaldado no apoio de Berlim, de Bruxelas e da troika, vai ruminando com os seus botões, como Salazar apregoava no seu primeiro discurso de Estado: "Sei muito bem o que quero e para onde vou"



IN "VISÃO"
08/03/12

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