20/02/2012

ANA PALÁCIO


Abrir a janela 
    mediterrânica da Europa

Um ano depois da queda de Hosni Mubarak, com agitações populares que continuam a perturbar o mundo árabe, é cada vez mais claro que a Europa não pode mais ficar quieta e fazer nada. Os protestos contínuos expuseram uma necessidade urgente para um comprometimento renovado entre a União Europeia e a região em geral – e, em particular, com os países do Mediterrâneo meridional e oriental que são vizinhos da União.

Até agora, a política europeia de vizinhança (PEV), nascida como um acréscimo da bem-sucedida política da UE relativamente à Europa Central e Oriental depois da queda do Muro de Berlim, tem governado as acções da União no Mediterrâneo meridional e oriental. Ao longo do tempo, no entanto, a PEV foi largamente assaltada por considerações relativas a imigração e segurança. Além disso, forneceu um apoio económico vital aos regimes autocráticos da região.

Na margem meridional do Mediterrâneo, uma panóplia de queixas, desde a corrupção a um desejo de liberdade, tem motivado a agitação. Mas o único tema subjacente tem sido a ausência de oportunidades económicas viáveis para a crescente população de jovens desempregados, e sub-empregados, da região.

Um ano depois da erupção da Primavera Árabe, contudo, as oportunidades económicas são ainda menos. As economias do Egipto, da Líbia e da Tunísia sofreram fortes contracções. Os orçamentos nacionais estão saturados e as reservas de moeda estrangeira estão a desaparecer. Em vez de entrarem investidores estrangeiros, o capital está a fugir.

Dada a escala do desafio que se apresenta aos vizinhos meridionais da Europa, a UE deve forjar uma parceria euro-mediterrânica muito mais eficaz do que algo que tenha sido tentado até agora. O primeiro desafio é restabelecer a confiança, que requer que os europeus reconsiderem a sua atitude relativamente ao “Islão político”, em geral, e aos islamistas no governo, em particular.

Marrocos constitui uma relevante prova dos nove. Embora não tenha seguido o caminho revolucionário da região, as percepções e aspirações dos marroquinos espelham as dos países vizinhos. A UE saudou as recentes reformas constitucionais do país, bem como os resultados das eleições que levaram ao poder um afiliado da Irmandade Muçulmana egípcia. Mas a UE também pediu um forte compromisso com o pluralismo, com as normas legais de conduta e com os direitos iguais para as minorias e para as mulheres – áreas-chave onde os islamistas de toda a parte devem dar provas.

Esta condicionante – o princípio “mais por mais” – sugere que a UE tenha deparado com um modo viável de influenciar desenvolvimentos na região. Mas é também necessário afastar a ideia que a Europa, supostamente em declínio, não pode ser um interlocutor e um parceiro útil ao desenvolvimento da prosperidade regional. A verdade é que a UE permanece o maior parceiro comercial do Magreb, sendo responsável em 2010 por 70% das exportações da região.

A Europa, embora com problemas de liquidez, pode também facilitar acordos com instituições multilaterais, desde o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, onde a UE é o maior accionista (perto de 37%, comparado com a quota de 16% dos Estados Unidos), ao Banco Europeu de Investimento, que recentemente aumentou o limite de empréstimos da região em mil milhões de euros (1,3 mil milhões de dólares). Do mesmo modo, o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento (BERD) anunciou recentemente o início de actividades financiadas por fundos de doadores em partes da região, incluindo Marrocos, em 2012.

Bons exemplos deste tipo de comprometimento da UE são a Central de Energia Solar e o Programa de Eficiência de Água Potável em Ouarzazate, no valor de 37 milhões de euros, patrocinados pelo Mecanismo de Investimento para a PEV, que foi instrumental para garantir empréstimos de mais de 600 milhões de euros. É esta capacidade de alavancagem que a UE precisa de usar mais eficazmente.

Para além dos desafios à percepção, o sucesso da parceria renovada com a Europa requer que a região encete reformas estruturais vitais. Primeiramente, os países da região devem consolidar um enquadramento regulador e institucional sólido que promova a eficiência e a segurança legal para investidores, tanto locais como estrangeiros. Um tal enquadramento é central para atrair não apenas as grandes companhias, mas também para estimular pequenas e médias empresas, que na Europa, por exemplo, geraram 85% de todo o emprego criado entre 2002 e 2010.É igualmente importante enquadrar a política da UE como uma questão de co-localização, mais do que de deslocalização, e ultrapassar a mentalidade de jogo de soma nula que está hoje difundida. Um exemplo encorajador da abordagem da co-localização é o lançamento de um projecto Renault em Marrocos (que, infelizmente, incitou um repúdio público no calor da febre pré-eleitoral em França).

A infra-estrutura é outra preocupação vital, não apenas para ligar a UE ao Mediterrâneo meridional, mas também para impulsionar a muito necessária integração regional. Hoje, a maior parte das economias do Magreb são enclaves virtuais, desligados uns dos outros por razões muitas vezes de natureza política. Aqui, também, Marrocos é um bom exemplo: o conflito do Saara Ocidental é uma questão que dificulta a definição da fronteira com a Argélia, a um custo anual para as duas partes que é conservadoramente estimado em 1 a 2 pontos percentuais do PIB.

Mais genericamente, os países do Magreb apresentam o menor comércio intra-regional do mundo, respondendo por menos de 5% do PIB, comparado com 70% na UE e 50% na América do Norte, devido, em grande parte, a um “esparguete” de acordos comerciais preferenciais e medidas não pautais no seio da região. A UE devia usar o seu conjunto de acordos bilaterais com os países do Mediterrâneo meridional para promover um enquadramento comercial regional viável.

As revoluções árabes deram a toda a gente a hipótese de olhar para o mundo mediterrânico com novos olhos. Em vez da antiga relação patrono/cliente, é necessária uma parceria UE/Magreb, como uma parte de uma política de vizinhança transformada e baseada na confiança. Apenas uma parceria desse tipo pode impulsionar as oportunidades económicas e aumentar a prosperidade – as exigências que inflamaram o levantamento árabe. Se for bem gerida, além disso, uma tal parceria pode ser também uma tábua de salvação para as economias europeias nos seus actuais tempos conturbados.


Ex-ministra dos Negócios Estrangeiros de Espanha e antiga Vice-Presidente do Banco Mundial

Tradução de António Chagas/Project Syndicate

IN "PÚBLICO"
14/02/12

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