08/01/2012



ESTA SEMANA NO
"i"

Cartões para o lixo. 
Comércio quer dinheiro vivo nas compras
Lojas estão a rescindir contratos com os bancos para não pagarem comissões

“Quer pagar com multibanco? Desculpe, mas desde dia 1 que já só recebemos em dinheiro”. A resposta é cada vez mais frequente e unânime em quase todo o tipo de estabelecimentos, desde restaurantes a cabeleireiros, passando pela generalidade do pequeno comércio. As comissões cobradas pela SIBS nos sistemas de débito são em média 1% sobre a facturação bruta, incluindo impostos, contra 0% em Espanha.

Mais. O i sabe que a questão chegou a ser equacionada por alguns supermercados com dimensão, como forma de absorverem a subida do IVA na maioria dos produtos, não a revertendo sobre o consumidor final.

Deste modo, os comerciantes ganham as comissões que antes pagavam aos bancos, variáveis, mas quase nunca inferiores a 0,06 euros por cada passagem do cartão de multibanco na máquina. Este valor é superior quando são utilizados cartões de crédito e há também um fee pago sempre que é feita a ligação à rede telefónica.

Em simultâneo, as vendas a dinheiro criam uma outra situação: mais fuga ao fisco. Desta forma, não há maneira de controlar a facturação ao fim do mês, excepto se o cliente pedir factura. O que também não acontece porque na verdade estas não servem para nada: nem para abater no IRS nem, a partir de um certo montante, para as empresas as puderem incluir nos seus balanços.

O ministro das Finanças corre desta forma o risco de chegar ao fim do ano com menos dinheiro nos cofres do Estado. Não só porque a economia vai arrefecer, mas porque o pequeno comércio está a juntar-se ao batalhão de trabalhadores por conta própria sem contabilidade organizada que ainda conseguem amealhar alguns euros no final do mês porque não têm qualquer relação com o fisco, como electricistas, canalizadores, manicures ou empregadas domésticas.

Com uma quebra de consumo em 2012 que deverá superar os 4%, segundo os últimos indicadores conhecidos, o retalho prepara-se deste modo para sobreviver à tempestade. Com mais ou menos meia hora por dia, como quer Álvaro Santos Pereira. Porque aqui a questão não é o horário de trabalho mas travar a quebra abrupta das vendas, que já se fez sentir este Natal e se deverá acentuar ao longo dos próximos meses.

Neste Natal, recorde-se, o recuo nas vendas em Lisboa, de acordo com a União de Associações do Comércio e Serviços (UACS), foi acima dos 30%, podendo ter chegado aos 40% nalguns casos, ligeiramente acima das perdas que já se tinham registado em 2010. No Porto, os números foram semelhantes, com descidas na ordem dos 25 a 30%, segundo a Associação de Comerciantes da cidade, numa altura em que os comerciantes já se vinham a queixar que estas foram bem mais acentuadas do que as registadas no ano anterior.

Neste quadro, o consumidor da classe média-baixa foi até agora o mais atingido. Mas o congelamento dos vencimentos na Função Pública, os cortes salariais significativos em muitas empresas privadas, a redução das pensões e dos subsídios de Natal e férias renovam as preocupações dos comerciantes, com a crise a alastrar à classe média e média alta.

E nesse exercício de sobreviver em contraciclo, vale tudo. A anulação das comissões cobradas pelos bancos cada vez que um cliente paga com um cartão, as promoções constantes ou os cabazes alimentares a 10 euros cada, contendo uma série de produtos que, somados um por um, ultrapassariam esse montante.

Há nitidamente uma vontade concertada em não aumentar preços, pesem os impostos a mais, sobretudo os indirectos. A esmagadora dos produtos passaram de uma taxa intermédia de IVA de 13% para os 23%, mas houve outros onde o salto foi ainda maior, dos seis para a taxa máxima.

Do café às águas engarrafadas, passando pelos refrigerantes ao pão, este primeiro mês do ano marca o início de uma vaga de aumentos decidida pelo governo para 2012. Os restaurantes já estão a aplicar o novo IVA. Na saúde, as taxas moderadoras passaram a custar no mínimo cinco euros, podendo chegar aos 50. E ir ao teatro ou ao cinema vai também ser mais caro.

Os preços de venda ao público do tabaco e das bebidas alcoólicas também sobem, atingindo em média, 2,3% nas bebidas e 4,6% no tabaco.

Já com o cheque banido do dia-a-dia, devido ao elevado número de calotes, não restam, portanto, muitas opções aos pequenos comerciantes, a não ser voltarem a receber em dinheiro vivo. É pois previsível ainda que a crise venha a alterar substancialmente os métodos de pagamento em todo o país.

Enquanto o executivo avança com as trocas electrónicas obrigatórias entre empresas, o cidadão prepara-se para um novo quotidiano, com menos dinheiro no banco mas mais notas no bolso.


* Chama-se crise


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