27/01/2012

CARINA JOÃO


Doenças nacionais…

Já diziam os politólogos norte-americanos do século passado que a melhor maneira de não fazer nada e ao mesmo tempo parecer que se trabalha é marcar uma reunião.
Daquilo que padecemos e dos males que nos tolhem as horas estão os jornais cheios. Livros, relatórios, gráficos, quadros… diagnósticos são coisa que não falta. Não deve haver muitos países tão auto-analisados como nós.

Sabemo-nos simpáticos, sabemo-nos pouco produtivos, sabemo-nos… tudo. Aliás, para isso tem contribuído, em bom rigor, um pouco de um outro mal nacional, quase doença crónica, a tão apreciada reunite… Muita reunião se faz neste país… Horas e horas, dias a fio e muita gente reunida no mesmo espaço, muitas vezes a discutir nada, ou melhor, nada de novo. Já diziam os politólogos norte-americanos de meados do século passado que a melhor maneira de não fazer nada e parecer, ao mesmo tempo, que se trabalha, é marcar uma reunião. E de lá saem os tais diagnósticos que todos já conhecemos, alimentados ad nauseam em debates, do jeito e da forma que dá mais jeito a cada um. E então se for com números, oh! Os números dizem aquilo que quisermos que digam. Agora acrescentaram-se uns gráficos, que, verdade seja dita, até são bonitos visualmente, em televisão.

Não sei se foi apreciado desta forma por Eça, Garrett e Herculano, entre outros, daqueles que bem conheciam o nosso ADN e muito discorreram sobre esses males crónicos de que enfermamos.

Mas reconheço que tem faltado a outra parte, mais evolutiva, a parte dos desígnios nacionais. Os tais que nos permitirão descolar do triste diagnóstico que todos já conhecemos, vezes e vezes sem conta.

Saltam nos jornais palavras jocosas sempre que um governante dá um exemplo ao país daquilo que pode ser um desígnio nacional. O anterior ministro das (então) Obras Públicas, António Mendonça, teve uma vez uma expressão que ficou célebre, dizendo que podia ver Lisboa como a “praia de Madrid”. São conhecidas as piadas a esse respeito. Foram vertidos muitos rios de tinta em cabeçalhos de jornal a propósito dessa metáfora e ainda hoje não se esqueceu esse (in)feliz comentário, que pretendia ilustrar a ideia da proximidade que se conseguiria a Madrid com a malfadada ligação de TGV. Madrid, essa capital europeia e cosmopolita, que não tem praia e, vendo bem as coisas, um carril férreo podia, com a velocidade G de um Trein, trazer até nós “resmas” de espanhóis. (Só foi pena então não ter pensado que esse investimento por parte do Estado nos ia levar à bancarrota, praticamente onde chegámos antes de o FMI ter assentado arraiais aqui para estes lados.)

Há poucos dias Álvaro Santos Pereira, no meio de um debate, ilustrou, com um comentário do género, aquilo que era um exemplo do que os nossos produtos poderiam representar para o mundo, à semelhança daquilo que todos os dias “papamos” com a invasão de produtos estrangeiros, de hambúrgueres a outras soluções de igual modernidade. É um chavão dizer que “o que é nacional é bom”, mas o que é certo é que é mesmo, e foi mal compreendido pela plateia.

Ter como desígnio nacional a aposta na internacionalização da nossa economia não é uma questão que se reduza com o debate de um simples exemplo. É lamentável que haja quem não compreenda e foi pena que essa discussão não tenha contaminado este povo com tão pouca força imagética.

Ter como desígnio nacional um país acolhedor face aos demais parceiros europeus pressupõe a facilidade e a proximidade a essa potencial procura. Alguém já o disse, great place to live and work. E não é que é mesmo?

Falta apontar as baterias todas no mesmo sentido para ter todo o país embebido na mesma solução, a de saber que todos os dias o trabalho que tem pela frente é destinado a cumprir os tais desígnios nacionais, mais do que propriamente saber que estamos a melhorar os percentis da troika.

Quando em 2004 embarcámos no evento do Euro, Portugal respirou um pouco desse espírito. Todos os dias preparámos cidades, empresas, cafés e restaurantes para termos o acolhimento condigno a quem, vindo do estrangeiro, iria conhecer de perto a realidade tuga. E a imaginação bateu recordes, com tudo a funcionar orgu- lhosamente para o mesmo lado.

Sinto que hoje nos falta um pouco disso, termos bandeiras para pôr à janela a propósito de um qualquer desígnio nacional, bandeiras essas obviamente em sentido figurado (às vezes é preciso explicar…).

Seja por força da nossa internacionalização, urgente, necessária e muito potencial, seja por força do acolhimento que podemos proporcionar aos “bifes” do Norte da Europa, deveríamos era estar cientes de que estamos e temos de trabalhar para isso. E tem faltado explicar isso e acima de tudo tem faltado ser compreendido, e tem faltado arranjar e apregoar uma qualquer bandeira que nos motive e nos una em torno de um projecto de futuro. Tudo uma questão de pôr a dose de nata certa no nosso pastel nacional.

Houve quem se esforçasse por transmitir essa intenção, mas, como dizia Miguel Torga no seu “Diário”, “se bem que mais perplexo que indignado, fica--lhe de emenda”.

Deputada do PSD

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20/01/12

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