16/12/2011


HOJE NO
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Só um terço dos médicos trabalha em
. exclusividade nos hospitais
Não se sabe quantos acumulam funções no privado. Governo volta à discussão do tema da separação de carreiras, suspensa em 2008

A medida não vem no pacote da troika, mas será uma das frentes de ataque do governo. Paulo Macedo vai retomar a discussão da separação das carreiras públicas e privadas na saúde, iniciativa suspensa em 2008 nas negociações então tuteladas por Ana Jorge. Os sindicatos contestaram e, disse ao i a antiga ministra da Saúde, concluiu-se que impor a dedicação exclusiva “implicava que houvesse uma remuneração mais adequada e não havia condições de o fazer”.

Apesar de o debate ser recorrente, ninguém sabe ao certo quantos médicos acumulam funções – o estudo mais recente, de 2004, aponta para uma sobreposição de 58%, mas os únicos dados oficiais, da Administração Central dos Sistemas de Saúde, revelam que apenas um terço dos médicos das especialidades hospitalares está obrigado ao regime de dedicação exclusiva, percentagem que aumenta para 70% na medicina geral e familiar.

Os dados são citados por Carlos Gante, administrador nos Hospitais da Universidade de Coimbra, numa tese de mestrado sobre pluriemprego médico. Além de uma revisão histórica deste regime, o especialista questionou 117 médicos especialistas dos HUC em acumulação de funções e traça um retrato das motivações e das percepções de efeitos negativos e positivos. A maioria dos médicos inquiridos (73%) respondeu que, se tivessem incentivos monetários no sector público, deixavam a prática privada e dois terços consideram que trabalhar em regime de pluriemprego é “um direito inalienável”. Os motivos económicos são os mais importantes para a prática, seguindo-se a autonomia do trabalho (no privado) e o desenvolvimento de competências (no público).

Ainda assim, explicou ao i o administrador, o resultado mais inesperado foi perceber que a percepção de efeitos adversos não coincide com a teoria: menos de um quinto concorda que os médicos em acumulação tendem a aceitar menos tarefas no público ou que a situação leva ao desvio de doentes para o privado. Só um terço admite que a acumulação propicia a utilização do SNS para exames e tratamentos de doentes vindos do privado.

Gante, que também inquiriu peritos do sector quanto às medidas necessárias neste campo (ver texto ao lado), diz que mais que comportamentos ilícitos não existe fiscalização ou monitorização eficaz. Por exemplo, escreve, “não é possível comparar o absentismo nem o desempenho profissional dos médicos em dedicação exclusiva com os que acumulam funções públicas e privadas”. Uma das ideias a implementar seria o registo e a divulgação de interesses dos médicos, para afastar suspeitas sobre práticas menos correctas. “É um tema que está sempre em cima da mesa e nunca se fez uma opção. Até pela questão de aperto financeiro deveria haver um foco na separação de interesses.”

Incentivos Numa eventual revisão do actual regime, desde a constituição de hospitais-empresa, Gante defende que os incentivos ao desempenho poderiam equiparar as formas de vencimento em ambos os sectores. “No público há aquela sensação de que os que fazem muito, e há muitos a fazer muito, têm a mesma compensação que os que fazem menos. “O que está por fazer, e por ser aprofundado, é a questão das grelhas salariais, com possibilidade de opção entre serviço público e privado. Neste contexto financeiro, não há condições, mas era bom que houvesse, diz Ana Jorge, para quem o regime tem também a vantagem de uma maior “transparência”.

Em 2008, o bastonário dos Médicos, Pedro Nunes, disse que a imposição de uma dedicação exclusiva aos médicos do SNS não tinha “qualquer possibilidade de ser viável”. O seu sucessor, José Manuel Silva, classifica o debate até aqui de simplista. “A não exclusividade foi uma solução patrocinada pelo Estado para ter médicos baratos no SNS”, diz o bastonário. Admite que a separação poria fim às dúvidas sobre licitude, mas que, se em alguns casos os médicos em consulta privada enviam doentes para fazer exames no público, é também para benefício do doente, poupando o Estado. Aumentar salários no público seria indispensável para retomar a exclusividade. As contas não são fáceis, mas, diz o bastonário, porque há médicos que numa semana no privado ganham tanto como num mês no público. “É o próprio Estado que tem estimulado a acumulação. A mudança terá de ser progressiva, com cuidado e com preparação.”

Ana Jorge admite que melhorar a grelha salarial e oferecer exclusividade no SNS é desejável e “não sai tão caro quanto se possa imaginar”. Gante diz que faltam contas: “Podemos ter uma ideia, fazer uma estimativa, mas só nos podemos pronunciar sobre o fenómeno se tentarmos medi-lo e se o medirmos e isso está por fazer.”


* É apenas uma questão de dinheiro, mas há médicos, não poucos, que ganham numa semana no privado o que não ganhariam em três meses no público. Mas sai-lhes do corpinho.


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