04/11/2011

SUSANA CLARO


Os impostos indirectos

O memorandum de entendimento da Troika serviu de pré-aviso: os Impostos Indirectos - IVA e Impostos Especiais de Consumo (IECs) – teriam de gerar um aumento de receitas na ordem dos 500 milhões de Euros, 400 dos quais em IVA.

Segundo o memorandum, o aumento das receitas do IVA seria alcançado por uma redução das isenções e pela transferência de bens e serviços das taxas de IVA reduzida e intermédia para a taxa normal. E a proposta do OE para 2012 vai nesse sentido. Mas há uma novidade – a regra anti-abuso relativa ao valor tributável nas operações entre entidades relacionadas.

Ao nível das isenções, o Governo não tinha margem de manobra, uma vez que a legislação nacional está balizada pela Directiva Comunitária. Assim, foi apenas eliminada a isenção na transmissão dos direitos de autor quando este é uma pessoa colectiva, que terá um impacto marginal no aumento da receita, mas tem o mérito de ajustar a actual regra de tributação à Directiva Comunitária.

No que respeita à estrutura das taxas de IVA reduzida (Lista I) e intermédia (Lista II), e sendo já conhecida a passagem para a taxa normal da electricidade e do gás, era de esperar que a Lista I ficasse mais curta e que a Lista II desaparece-se. E ficámos lá perto.

Não houve alterações nos bens relacionados com a saúde e a agricultura. Mas ao nível dos produtos alimentares, passaram a ser tributados à taxa normal, entre outros, os refrigerantes, o café, os óleos alimentares e as margarinas, os frutos secos, aperitivos e snacks. Escapou o leite achocolatado e o vinho comum. Passaram igualmente para a taxa normal os serviços de restauração, as refeições pronto a comer, os equipamentos de captação e aproveitamento de energias alternativas, os eventos culturais e desportivos e outros divertimentos públicos.

Um pouco ao arrepio do que uma análise mais superficial poderia sugerir, que o impacto nos agregados familiares com menores rendimentos seria menor face aos agregados familiares com rendimentos mais elevados – mais propensos a efectuarem despesas de lazer –, verifica-se que, em termos proporcionais, o agravamento será semelhante.

Tal facto deve-se, essencialmente, ao peso relativo que os gastos em electricidade e gás representam nos orçamentos familiares, o qual é tanto maior quanto menor for o rendimento das famílias. Por outro lado, tratando-se de consumos menos elásticos, do aumento da sua tributação não decorrerão alterações significativas no seu padrão de consumo e o aumento da receita é garantido.

Resta saber se este aumento da carga fiscal irá gerar as receitas que necessitamos. Se, por um lado, vamos assistir a uma retracção do consumo, por outro, acresce o risco do desvio de algumas actividades para a economia paralela. Aliás, a própria Directiva do IVA prevê que sejam tributadas à taxa reduzida determinados consumos não essenciais, exactamente para atrair os operadores para o circuito económico.

No que respeita à norma anti- -abuso relativa à determinação do valor tributável das operações entre entidades relacionadas, esta havia sido introduzida na Directiva do IVA no ano 2006, enquadrada num conjunto de medidas de combate à fraude e evasão fiscal. Esta norma será aplicável quando um dos intervenientes apresente restrições no direito à dedução do IVA incorrido a montante e tem por objectivo evitar que entidades que se encontrem em relações especiais manipulem o valor das operações com o intuito de diminuir a sua carga fiscal.

As regras de Preços de Transferência limitavam já a prática de termos e condições diferentes dos que seriam normalmente praticados entre entidades independentes. Contudo, sempre que as empresas optavam, em sede de IRC, pelo Regime de Tributação dos Grupos de Sociedades, as consequências decorrentes da prática de preços diferentes dos de mercado eram atenuadas e a liquidação do IVA poderia ficar aquém do montante que agora será apurado por aplicação da norma anti-abuso.

Quanto às autorizações legislativas, destaque para a da implementação da Directiva da Facturação, que irá facilitar o processo de facturação electrónica.

No que respeita aos IECs, a novidade é o imposto sobre a electricidade, também de matriz comunitária. De acordo com o memorandum da Troika, espera-se que este IEC seja responsável por 100 milhões de euros adicionais de receita, sendo as industrias transformadoras as que sofrerão o maior impacto, já que a factura de electricidade das famílias será agravada em não mais de 5 cêntimos por mês.

Nos restantes IECs - sobre o álcool e bebidas generosas, o tabaco e os produtos petrolíferos -, a proposta do OE avança com aumentos de taxas entre os 2% e os 15% ou dos limites máximos (quando as taxas são definidas por Portaria) que chegam aos 50%.

Finalmente, merece uma nota a ausência na proposta do OE de medidas que, não tendo impacto ao nível da receita fiscal, poderiam aliviar a tesouraria das empresas nacionais, como o mecanismo de autoliquidação nas importações de bens e o regime de exigibilidade de caixa nos fornecimentos ao Estado.

Indirect Tax Partner da PwC

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
24/10/11

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