05/11/2011

ANTÓNIO COSTA


O dia seguinte

Os políticos europeus tomaram, finalmente, as decisões que os mercados queriam para salvar a Grécia e a própria moeda única, depois de meses de negociações e de impasses sucessivos, que só terminaram quando o problema deixou de ser grego e passou a ser da Europa.

As decisões relativas ao ‘haircut' de 50% da dívida pública da Grécia e ao reforço do fundo de estabilização para um bilião de euros são a primeira tentativa séria de pôr termo a uma instabilidade financeira que, mais semana, menos semana, tinha o destino traçado, o de acabar com o projecto europeu e não apenas com a moeda única. Sobra, não menos importante, a decisão de obrigar os bancos europeus, e os portugueses, a reforçarem os seus rácios de capital para acomodar uma alteração na forma como contabilizam a dívida pública que têm no balanço, leia-se o dinheiro que emprestaram ao Estado. O que, no caso português, obrigará os bancos a reforçarem o capital em 7,8 mil milhões de euros. Provavelmente, com a ajuda da linha de recapitalização pública de 12 mil milhões de euros.

Em primeiro lugar, os Estados deixaram de ser o último, e único, porto seguro de investimento. Quando os bancos são obrigados a contabilizar os títulos de dívida a preços de mercado, o que está em causa é, no fundo, a possibilidade de os Estados não cumprirem as suas obrigações, isto é, de não devolverem aos bancos - ou a outros investidores - o dinheiro que lhes foi emprestado no final de um contrato. Isto muda tudo.

A partir de agora, os Estados, como o português, deixarão de contar com o financiamento garantido. Qualquer investidor sabe que, a partir de hoje, o seu investimento não está completamente seguro, nem mesmo com o Estado. Tem, ainda assim, a virtude de ser uma nova limitação do mercado às tentações irresponsáveis de políticos e governos que se endividem para financiar projectos com muitos custos e nenhuns benefícios.

Em segundo lugar, é posto um fim definitivo às dúvidas sobre a origem da crise. É que os balanços dos bancos são afectados por causa do dinheiro que emprestaram aos Estados, neste caso, ao Estado português, e não por causa da sua actividade operacional. Mas, ironia das ironias, será o Estado, através da linha de recapitalização de 12 mil milhões de euros, a ajudar os bancos a resolver um problema que os bancos não criaram.

Os clientes/depositantes beneficiam dos reforços de capital da banca portuguesa, que têm a óbvia vantagem de reforçar as resistências do sistema a uma crise. Porque, é preciso notar, os aumentos de capital a realizar até Junho do próximo ano não resultam de quaisquer buracos, são um airbag que dá uma segurança acrescida. Mas estes airbags não garantem a resolução de um problema urgente e de curto prazo, o do financiamento da economia. São uma condição necessária, mas não suficiente, para permitir que os bancos portugueses tenham dinheiro para financiar as empresas. E isso, a partir de hoje, deve ser a primeira, segunda e terceira prioridade do Governo, do Banco de Portugal e dos próprios bancos.

DIRECTOR

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
28/10/11

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