01/10/2011

PEDRO CAMACHO







Não chega, ainda?

Não há declaração política de Passos Coelho que contorne esta realidade: são os madeirenses, e apenas eles, quem tem na mão a capacidade de dar ou retirar o poder a Jardim


Nasci e morei, nos primeiros anos da minha vida, no Funchal, continuo a lá ter família e a sentir-me madeirense. Digo, de forma clara, que não aprecio o discurso populista e básico de Alberto João Jardim, o seu gosto pelo grotesco e pelo boçal, as suas declarações de ódio aos "intelectuais" e aos "burgueses", para já não falar da sua obsessão e perseguição aos "colonialistas ingleses", em especial a família Blandy, proprietária do Diário de Notícias da Madeira - que resiste, com o seu jornal e a respetiva equipa de jornalistas e administradores, a todo o tipo de pressões políticas e económicas de Jardim e da sua entourage, ilegítimas e indignas de um Estado de Direito (acrescentar "Democrático", que é o que reza a Constituição, para todo o território nacional, seria, a propósito da realidade madeirense, manifestamente inapropriado).

Jardim envergonha-me. Não gosto do seu estilo caciqueiro de governar, não gosto do autoritarismo, da má educação, da displicência ou da palermice. Não me revejo nele enquanto madeirense, nem vejo nele um retrato dos madeirenses que conheço, quer os que se "exilaram" no Continente quer os que continuam a viver na Região. Da mesma forma que lamento profundamente os seus constantes ataques aos "cubanos" do Continente e aos "políticos da República", num discurso que recorre à velha técnica de criação de um inimigo comum, seja para arregimentar forças internas seja para rotular de traidores todos aqueles que recusam o discurso oficial.

Os novos buracos orçamentais da Madeira e a enxurrada habitual de demagogia, idiotice e má educação que se seguiu, e que teve, numa segunda fase, uma ainda mais triste tentativa de recuo, são apenas mais um registo numa longa lista de episódios lamentáveis do presidente do Governo Regional da Madeira. Mas fosse ele uma pessoa radicalmente diferente, aquilo que fez continuaria a ser indesculpável, politicamente inaceitável e (se não juridicamente, pelo menos eticamente) criminoso. O Governo Regional da Madeira escondeu despesa, durante três anos, do Governo central e das autoridades europeias, violando grosseira e deliberadamente as suas obrigações legais, quer para com a República quer para com a União Europeia. Pior que tudo, fez o que fez e não mostra qualquer sinal de arrependimento, vergonha ou simples constrangimento. O seu recuo, alegando que a afirmação de ter "sonegado informação" "em legítima defesa" não corresponde à realidade, e se deveu apenas ao calor do discurso de comício, mostra apenas que Jardim, ao tentar excluir qualquer intenção dolosa das suas ações, não é inimputável, ao contrário do que a realidade por vezes parece sugerir.

Deixa agora Portugal numa situação muitíssimo crítica, ameaçando deitar por terra todo o trabalho político do Governo, e o esforço que é pedido a milhares de famílias, para que a comunidade internacional olhe para nós como um povo que merece confiança, que não faz batota, que cumpre as regras, que honra os compromissos. Onde nos deixa agora a "brincadeira" de Jardim? Como é possível passar uma mensagem de seriedade e confiança, com imprensa internacional de referência a referir-se à Madeira como a "ilha trapaceira"?

O verdadeiro estado das contas da Madeira está ainda a ser apurado por técnicos portugueses e do FMI. Teremos, por isso, de esperar algum tempo para percebermos qual é a exata gravidade destas "omissões" do Governo regional, em termos orçamentais, económicos, políticos, diplomáticos e, eventualmente, criminais. E também quanto vai custar à Madeira, e aos madeirenses, este erro grosseiro do seu líder regional.

A oposição e, sobretudo, António José Seguro, exigem mais do primeiro-ministro, querem uma declaração pública, clara, de retirada de confiança política em Jardim. Essa demarcação é fundamental, mas Passos Coelho fez bem ao recusar o repto. A quebra de confiança está mais do que afirmada. Pelo que se ouviu até agora, Jardim bem se pode estatelar nas eleições que não será por causa disso que Passas Coelho dormirá pior. Mas a verdade é que um é chefe de Governo (nacional) e outro o chefe de um Governo regional que está em vésperas de poder renovar, uma vez mais, o seu mandato. Um cenário que tem grande probabilidade de acontecer e que o primeiro-ministro não pode ignorar.

Mas, acima de tudo, não há declaração política de primeiro-ministro ou de líder nacional do PSD que possam impedir esta realidade: são os madeirenses, e apenas eles, que têm o poder de dar ou retirar confiança política a Jardim, e com ela o exercício do poder.

Por isso, e apesar de Jardim me envergonhar enquanto madeirense, a verdade é que me envergonha ainda mais o facto de serem os próprios madeirenses que o mantêm no cargo há já tanto tempo, escândalo após escândalo, abuso de poder após abuso de poder, prepotência após prepotência, carnaval após carnaval, numa interminável manifestação de absoluta ausência de sentido de Estado, de valores democráticos ou de simples respeito pela dignidade de cada um. Não chega, ainda?


IN "VISÃO"
22/09/11

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