25/10/2011

PAULO TRIGO PEREIRA

 

  OE 2012:
indignação e responsabilidade 


1. Declaração de conflito de interesses: em 2012 serei professor universitário há trinta anos numa universidade pública. Neste sentido, como os restantes "funcionários públicos", senti de forma mais brutal as medidas anunciadas de cortes de subsídios de Natal e de férias.

Se o OE 2012 for aprovado na forma em que foi anunciado, o que espero que não aconteça, será uma redução salarial nominal de 25%, o que tendo em conta a inflação esperada e as subidas de impostos, representará uma quebra do rendimento real em cerca de 30% em dois anos para os mais qualificados. Não venho escrever em nome dos trabalhadores da administração pública, nem dos pensionistas a quem este OE 2012 se propõe cortar o salário em cerca de 14%. Mas deixo já a questão fundamental em termos de equidade de repartição de sacrifícios: são os funcionários públicos os responsáveis pelo défice orçamental?

2. Escrevi aqui há um ano a propósito do OE 2011 (PÚBLICO 24/10/2010), e reitero, que não há pensamento único em economia nem propostas inevitáveis mesmo tendo em conta o memorando da troika. Os cidadãos já devem ter percebido que quando um qualquer primeiro-ministro diz uma frase semelhante à de Pedro Passos Coelho ("Este é o meio mais adequado para, no meio de tantas restrições, ampliarmos a nossa capacidade económica de criação de riqueza"), o que está a ser dito é algo muito diferente - este é o caminho que o Governo escolheu para alcançar o objectivo dadas as restrições.

3. Para escolher um caminho há que perceber as restrições, as variáveis que controlamos e as que fogem ao nosso controle. Tenho defendido a trajectória de consolidação orçamental rumo ao equilíbrio orçamental em 2016, sem o qual todos estes esforços serão em vão e não recuperaremos a soberania como país. Os défices excessivos levam à dívida galopante e à falência do Estado. Definir um objectivo permite medir se estamos ou não a aproximarmo-nos. Se os sacrifícios dos portugueses levarem a uma redução do défice, sem medidas extraordinárias, então estaremos a avançar para o objectivo, obviamente sacrificando outros no curto prazo (o emprego e o crescimento).

4. O memorando de entendimento (ME) define os objectivos para o défice: 10 mil milhões em 2011, 7,6 em 2012, 5,2 em 2013 e 4,5 em 2014. Não em % do PIB, mas em termos absolutos! Esta deve ser a base de trabalho essencial e cumprir o ME é cumprir isto. Tudo o resto deve ser considerado negociável, até porque já o foi no passado - a taxa social única (TSU) era obviamente um "nado-morto", pois não há como diminuir a TSU sem aumentar desmesuradamente o IVA. Esta medida acabou por cair, já não consta no OE e em sua substituição e, para salvar a face do Governo e da troika, introduziu-se o acréscimo do tempo de trabalho como se tempo tivesse alguma coisa a ver com produtividade. Ora, em muitos casos no privado os trabalhadores já trabalham mais do que está contratualizado.

5. Há dois cenários alternativos, para além do anunciado pelo PM (A). Um seria um imposto extraordinário (B) sobre todos os rendimentos, à semelhança do corte no subsídio de Natal deste ano. Este cenário teria a desvantagem de fazer a redução do défice sobretudo à custa da subida da receita. A que defendo, seria uma situação mista (C) em que se cortaria apenas o 14º mês aos funcionários públicos e se aplicaria um imposto extraordinário a todos os rendimentos, incluindo uma subida da taxa liberatória sobre rendimentos de capitais de 0,5 pontos. Comparemos (A) com (C). Bem calibrado, o impacto no défice e na procura agregada seria o mesmo, sendo que em (C) a redução do défice se faria quer do lado da receita quer da despesa. A repartição de sacrifícios, no cenário proposto, cairia ainda sobretudo nos funcionários públicos, mas agora todos contribuiriam para o esforço nacional. Um argumento a favor da proposta do Governo, para quem defende um aumento da competitividade através da baixa de salários, é que esta redução brutal nos salários públicos induzirá semelhante comportamento no privado. É falacioso porque em média vai haver sempre diminuição de salários e subida do desemprego no privado devido à recessão. A proposta aqui apresentada, sendo neutra do ponto de vista do objectivo do défice evita degradar a qualidade dos serviços públicos, através da fuga dos melhores qualificados. Não é só o corte salarial que está em causa, mas também o congelamento das progressões e promoções nas carreiras. Não esquecer que 63,6% dos 507.930 trabalhadores da administração central prestam serviços à população na educação, saúde e acção social. O grosso da população não tem rendimentos suficientes para ter educação e saúde privados e precisa que o Estado lhe forneça, ou financie, esses serviços com qualidade.

6. Penso que a proposta do Governo é honesta, e não uma estratégia negocial de propor algo muito radical para se obter algo mais moderado que é aquilo que efectivamente o Governo deseja. De qualquer modo, uma atitude responsável de qualquer partido da oposição, em particular o PS, deve ser apresentar uma proposta alternativa que satisfaça o objectivo do défice enunciado acima (4), mas que garanta mais equidade, pois os funcionários públicos não têm responsabilidades acrescidas no défice. Caso o Governo seja inflexível deverão votar contra.

7. Se o Governo for obstinado, dada a maioria parlamentar, deverá justificar publicamente por que é que considera a sua proposta original a melhor proposta e nomeadamente se considera que os funcionários públicos são os responsáveis do défice. Se não o fizer ficará a suspeita, e em política o que parece é, que fez esta proposta porque considera os trabalhadores em funções públicas como não sendo a sua base política eleitoral e porque perde menos votos com a sua proposta do que com uma alternativa. O que politicamente é um erro, pois todos os cidadãos têm um sentido de equidade e não compreendem este tratamento altamente discriminatório dos que os servem nos serviços públicos.

Professor no ISEG e especialista em Finanças Públicas

 IN "JORNAL PÚBLICO
17/10/2011

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