06/10/2011




HOJE NO
"DESTAK"
Dor: 
Um exemplo vindo do Sul
Portugal é um dos poucos países da União Europeia 
que tem um Programa Nacional de luta contra a Dor.

É difícil fugir-lhe, tornando-se presença constante no dia-a-dia de milhões de pessoas. Um fantasma que ensombra os bons momentos e alimenta os maus. Os que dela sofrem são privados da normalidade, condicionados no trabalho, em casa, na rua. No entanto, a dor continua a ser definida como um sintoma, tardando o reconhecimento do seu estatuto de doença. Numa Europa onde poucos são os países com um plano nacional que contemple a dor, Portugal destaca-se como um exemplo a seguir.

«Não foi fácil», admitiu perante uma plateia surpreendida Beatriz Craveiro Lopes, coordenadora da Unidade de Dor do Hospital Garcia de Orta, em Almada, convidada de um simpósio sobre o impacto social da dor. No Centro de Congressos de Hamburgo, na Alemanha, no decorrer de um congresso que reuniu cerca de quatro mil especialistas e onde o Destak esteve presente, a médica deu conta das dificuldades: «É preciso ter muita paixão, acreditar e ter fé.»

Portugal destaca-se ainda como um dos poucos países da União Europeia em que a dor é vista como prioridade no Serviço Nacional de Saúde. «Começámos há 12 anos e, desde então, foi preciso falar, falar, falar muito», explicou a médica nacional, que não escondeu a preocupação com o impacto da crise nesta área. «O que vai acontecer no futuro é a grande questão», acrescentou. «Não sabemos qual vai ser o impacto da crise, mas estamos optimistas.»

O que nos faz falta

Com um acesso dos doentes ao tratamento da dor, que coloca o País numa posição confortável, Portugal acaba por falhar a vários outros níveis. Primeiro, a dor não é tema de estudo nas escolas médicas; depois, o País não dispõe de um programa de educação para o público em geral que, entre outras coisas, passe a mensagem de que o acesso ao tratamento da dor é um direito. Finalmente, não tem também investigação financiada pelas autoridades de saúde.
A informação resulta de uma avaliação dos progressos neste campo, levada a cabo pela Federação Europeia das Associações para o Estudo da Dor (EFIC), anfitriã do congresso, que permite identificar «o estado actual» da situação na Europa.

Estatuto devido

Reconhecer à dor o estatuto de doença foi um pedido recorrente em Hamburgo. Um reconhecimento que, dizem os especialistas, já tarda. Dez anos depois da Declaração de Montreal, que tornou o acesso ao tratamento da dor uma obrigação dos serviços de saúde, «as acções foram limitadas e a exposição não muito grande», afirmou Hans Kress, presidente da EFIC. «É preciso fazer mais», reforça, definindo uma meta: «Colocar a dor na agenda dos políticos.»

E embora há cerca de duas semanas, numa resolução adoptada a propósito das doenças não infecciosas, o Parlamento Europeu tenha feito o reconhecimento da relevância da dor crónica, indicando a necessidade urgente de ser tida em conta, «ela continua a ser vista como um sintoma», acrescentou a mesma fonte. «Este é, sem dúvida, um passo, mas há muitos mais para dar.»

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Algumas respostas, muitas questões

O que é a dor crónica?

Definida como um estado persistente de dor, em que a causa não pode ser removida ou tratada, torna-se uma doença, ao contrário da dor aguda, que tem a função de aviso e protecção no organismo.

Quais são os diferentes tipos de dor crónica?

Entre os tipos conhecidos desta dor, contam-se a dor nas costas, dor osteoporótica, cancerígena ou dor neuropática.

Qual o impacto na qualidade de vida?

É, dizem os especialistas e os doentes, enorme. Para além do sofrimento constante, o doente pode ainda ter dificuldades em dormir, ter mobilidade reduzida e vir a sofrer de depressão.

Há tratamento?

O objectivo é o alívio da dor, já que uma erradicação da mesma pode não ser possível. Mas tendo em conta a sua natureza complexa, é necessária uma abordagem multifacetada, física, psicológica e farmacológica. São normalmente usados opióides fortes, mas é difícil manter o equilíbrio entre o alívio e a capacidade de tolerar a medicação. Por isso, 30% dos doentes não cumpre o tratamento.

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As faces da dor

Impacto 
Problema custa 500 milhões de dias de trabalho

Afecta até 19% da população europeia, revela um estudo recente. Ao todo, 21% dos doentes que vivem com dor crónica enfrentam-na há mais de duas décadas. E 40% não estão satisfeitos com a forma como a dor é gerida. Em toda a Europa, a dor crónica é responsável por cerca de 500 milhões de dias de trabalho perdidos todos os anos, o que custa à economia do Velho Continente qualquer coisa como 34 mil milhões de euros. Por tudo isto, há que Change Pain ou, em português, Mudar a Dor. É isso que se pretende com uma campanha, a apresentar pela Grünenthal na próxima semana, dedicada à luta contra a dor. O objectivo é, explica a médica Ana Cristina Mangas, representante portuguesa no Advisory Board Internacional desta iniciativa, «aumentar o conhecimento sobre as necessidades dos doentes com dor crónica intensa e desenvolver soluções para melhorar o controlo desta dor».

Cancro 
Alívio insuficiente para os doentes oncológicos

Cerca de 40% dos europeus que lutam contra o cancro sofrem de dor neuropática. Mas a elevada percentagem não se traduz em medicação registada especificamente para esta doença. O que significa que o alívio é insuficiente. «Neste momento, nenhum dos analgésicos frequentemente usados está registado para tratar os sintomas neste grupo de doentes», afirma Hans Georg Kress, presidente da EFIC. E embora alguns países disponham de guidelines para o seu tratamento, noutros ele não existe. «Quando se trata de aliviar o sofrimento de doentes em estado grave, isso não devia depender do país europeu em que vivem», defende, reforçando a necessidade da criação de guidelines europeias.

Medicação 
Urgente tornar os canabinóides disponíveis na UE

Os especialistas não têm dúvidas: os canabinóides, em que se inclui a cannabis, ajudam no alívio da dor. Por isso, pedem que estas drogas passem a estar disponíveis por toda a UE e que os seus custos sejam comparticipados. «Trata-se, em muitos casos, de uma opção apropriada e indispensável», defende o presidente da EFIC. O que, acrescenta, «nada tem a ver com a legalização do cultivo da marijuana».

Envelhecimento 
Idosos negligenciados na investigação e no tratamento da dor

Velhos são os trapos, costuma dizer-se, mas no que à dor diz respeito, a máxima parece não ter aplicação. «No grupo etário dos maiores de 65, 50% das pessoas que vivem em casa e 80% das que se encontram em lares de idosos sofrem dor crónica. Números que se estima venham a aumentar em 70% até 2050», advoga Kris Vissers. «Mas a falta de conhecimento, a falta de investigação e a falta de financiamento para espalhar este conhecimento vai levar a um subtratamento ou até à falta dele. O que causará um impacto elevado da dor na sociedade», acrescenta.

Igualdade de género 
Especialistas pedem que se acabe com a medicina unissexo

Todos iguais, mas todos diferentes. Na dor, a igualdade esbate-se e acentuam-se as diferenças entre os sexos. Homem e mulher não só são diferentes na forma como a sentem, mas também na reacção aos tratamentos. A prová-lo está um estudo espanhol que encontrou «diferenças significativas na intensidade da dor, crenças e na forma como eles e elas lidam com a dor». É por isso que os especialistas pedem o fim de uma medicina unissexo, que deixe de ignorar as diferenças que os médicos já confirmaram.

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A dor em números

80% dos idosos com mais de 65 anos que vivem em lares da terceira idade sofrem de dor crónica.

40% dos doentes com cancro sofrem de dor neuropática, mas não existe qualquer medicamento registado para a combater.

60% dos amputados sofrem dor fantasma no membro que perderam, não havendo quase nada a fazer para os ajudar.

1 em cada cinco europeus vive com dor, problema enfrentado de forma constante, todos os dias, para um em cada 11 cidadãos.

100 milhões de pessoas são afectadas, todos os anos, com dor crónica nos 27 países da União Europeia.

19% dos doentes com dor moderada ou severa perderam o emprego, o que é apenas um dos indicadores dos elevados custos sociais deste problema.

2% dos doentes europeus são tratados por um especialista em dor, uma minoria.

21% dos europeus sofrem há mais de 20 anos com dor crónica. Uma forma de dor que afecta até cerca de 19% da população europeia.


* Os números por vezes são impressionantes e o pioneirismo português também!!!

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