04/10/2011

GIDEON RACHMAN



O velho urso russo está de volta


O regresso de Vladimir Putin ao Kremlin não é boa notícia. A cooperação internacional é hoje mais do que nunca uma questão premente, quer por razões económicas quer políticas.

A sua entronização como presidente em Março de 2012 vai, contudo, agudizar as forças do nacionalismo na Rússia.

Se a política externa russa se tornar mais introvertida e nacionalista em 2012, talvez seja o reflexo de uma tendência global. Os EUA e a França vão ter eleições presidenciais no próximo ano, circunstância que vai limitar o tempo que os seus líderes poderão dedicar às questões mundiais, bem como o alcance das suas iniciativas. A cúpula da liderança chinesa também vai mudar de mãos em 2012 e a sua política externa poderá tornar-se mais musculada. Os tumultos no Médio Oriente deverão prolongar-se pelo próximo ano, assim como a crise financeira na União Europeia.

Perante isto, a personalidade do presidente russo será mais importante do que nunca. A Rússia é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e continua a ser uma potência militar, energética e diplomática. Existem diferenças entre o actual e o futuro presidente, e os líderes ocidentais que negociaram com a Rússia nos últimos quatro anos, em particular americanos e alemães, tiveram oportunidade para discernir os dois campos.

No palco interno, a ênfase retórica de Medvedev no primado da lei e a sua visão mais crítica do passado soviético dão-lhe um perfil mais liberal. Na esfera internacional, Medvedev representa a ala do governo mais aberta à cooperação com o Ocidente e tem a particularidade de atribuir algum crédito à ideia de que há valores universais que as principais potências devem partilhar. Foi ele, aliás, que contribuiu para a melhoria significativa das relações entre a Rússia e os EUA desde que atingiram o ponto mais baixo na guerra russo-georgiana em Agosto de 2008, permitindo aos dois países fazer progressos ao nível do controlo de armas.

A Rússia continua a ser um dos principais actores geopolíticos que ainda pensa e age como uma das grandes potências globais. Infelizmente, a visão que Putin tem das questões mundiais caracteriza-se pela saudade do "respeito" (ou medo) que a Rússia impunha durante a Guerra Fria e por uma desconfiança profunda face ao Ocidente.

Putin tem falado ao país na importância das reformas e no seu desejo de combater a corrupção e diversificar a economia. A realidade, porém, é outra. O "consulado Putin" transformou a Rússia num país dependente do petróleo, onde oligarcas rivais se digladiam para terem a atenção do Kremlin e muitos opositores acabam na prisão ou no exílio. Custa a acreditar que um segundo consulado vá mudar o que quer que seja.

Para os líderes ocidentais basta-lhes saber que Putin, embora mau, não é louco. Tem a noção dos limites, mesmo quando afronta o presidente dos EUA em matérias como os Direitos Humanos, a Geórgia, a Ucrânia ou o Kosovo. Se os líderes mundiais continuarem a achar que é possível fazer negócios com Putin, o regresso da sua linha dura ao Kremlin será forçosamente um desastre.

Porém, outra questão se levanta. Putin foi presidente da Rússia durante oito anos e primeiro-ministro durante quatro. Agora que o mandato presidencial foi alargado para seis anos, poderá permanecer mais 12 anos no Kremlin. Ora, um presidente que ocupa a cadeira do poder durante 20 anos seria má notícia em qualquer país. Numa nação com a trágica história de autocracia da Rússia só posso dizer que é uma evolução triste e de mau agouro.

Tradução de Ana Pina

Colaborador do "Financial Times"

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
29/09/11

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