02/10/2011

ALBERTO CASTRO


 

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Atentos, alguns leitores questionaram a omissão das universidades quando, na semana passada, incitei ricos, Forças Armadas e jovens a desafiarem o futuro e a serem menos conservadores. Muita da opinião e dos comentários veiculados na Comunicação Social têm origem em pessoas ligadas à Universidade. Institucionalmente, porém, as universidades têm estado muito ausentes do debate político. Pior. Quando aparecem é, não raras vezes, para se juntarem ao coro lamuriento contra os cortes orçamentais. Talvez não possa ser de outro modo e não seja tanto quanto parece. O sistema de incentivos, para as escolas e os professores, não estimula e, na maior parte das vezes, nem atribui importância àquele tipo de intervenção que, assim, é remetida para a esfera privada e individual. As excepções ocorrem em resposta a encomendas - por exemplo, o estudo sobre a TSU. Como, em Portugal, praticamente só o Estado as faz e, nesses casos, está mais interessado em respostas do que em debates, este acaba por não ter sede nas universidades. E, quando ocorre, acaba por ser pouco universitário, muito marcado pela ideologia e interesses. Sobretudo pelos interesses. Não estranha, por isso, ver quem, enquanto académico, defende uma coisa e, na prática, beneficia, sem vergonha, do contrário, seja quanto à política de propinas ou à "escolha de vencedores".
Este retrato é enviesado (reflecte a realidade da economia e gestão), incompleto e injusto. A qualificação docente e a investigação científica progrediram imenso durante o consulado de Mariano Gago. A organização do Ensino Superior continuou caótica, a orientação da política de ciência é discutível. Assino por baixo. Mas, aquele mérito ninguém lho tira: há um antes e um depois de MG. As estatísticas, mesmo as internacionais, mostram--no. Não chega. Trata-se, apenas, de pré-condições. Um país não enriquece subindo no ranking das despesas, mesmo que seja em investigação e desenvolvimento. O desafio reside, agora, na capacidade de aproveitar, aplicar, dar forma empresarial a alguns daqueles resultados científicos. Os avanços são poucos. Mais por falta de jeito do que de vontade. O sebastianismo fez-nos crer estar ali a solução. Vai daí, como de costume, atirámos com dinheiro para cima do problema. Sem cuidado, sem atender a princípios comportamentais. Lucraram os oportunistas, empresários de concursos. Ansiámos o milagre. Quisemos dar passos grandes quando se recomendava muitos e pequenos.
Lentamente, estamos a aprender. Logo agora que não há tempo, que o crescimento urge. Não há alternativa. Olha-se para os líderes empresariais e domina o "mais do mesmo". Passado e não futuro. Competentes no que souberam e sabem fazer. Sem saber fazer o que ao futuro apetece. Incapazes de fazer a diferença. Haverá esperança se, ao menos, estiverem disponíveis para partilhar saber e experiência, investindo em novos projectos em que têm de acreditar para além daquilo que vêem ou viram. Haverá esperança se, do lado dos investigadores, se perder a arrogância do saber e a presunção do único e se aceitar que, no processo empresarial, quem quer o Euromilhões tem menos probabilidade de ganhar que no jogo propriamente dito. Falta quem medeie. A COTEC talvez. E as instituições de interface, com provas dadas. Que o Governo ouse delegar, transferindo recursos que permitam a essas organizações atrair competências de gestão especializada em inovação. Delegar sem abdicar de uma métrica de avaliação custo-benefício rigorosa, já que, agora mais do que nunca, com o dinheiro não se brinca. Sobretudo quando é de todos.
P.S.: O episódio da dívida da Madeira terá enterrado, de vez, a regionalização. É injusto. Regionalista convicto, Miguel Cadilhe tinha alertado para a dificuldade do modelo centralista estabelecer mecanismos equilibrados de verificação e controlo, permitindo que Jardim se vitimizasse. O reforço das competências e poderes do Tribunal de Contas é indispensável à regionalização. Entre iguais, teria sido possível.


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
27/09/11

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