06/09/2011

VICTOR ÂNGELO









Irresponsabilidades

Há uma proliferação de propostas irrealistas, 
como a dos eurobonds


Os acontecimentos e a geopolítica de agora têm uma dinâmica que supera a nossa capacidade de previsão. Os políticos e os analistas passam o tempo a correr atrás da atualidade. Não é apenas um problema de antecipação. Também temos dificuldade em compreender, sem demoras, o sentido dos factos e o seu impacto.

Vem isto a propósito da rapidez com que se deu o desenlace do levantamento líbio. No início do fim de semana, quando do ataque rebelde a Zawiyah, um centro urbano vital, a cerca de 50 km a oeste da capital, ninguém previu que no dia seguinte, domingo à noite, a rebelião estaria no centro de Trípoli. Desde então, tem sido um contrarrelógio de comentários, uma precipitação, com vários dirigentes ocidentais a fazer todo o tipo de declarações, numa altura em que a serenidade e o reconhecimento da soberania do povo líbio deveriam ter a primazia.

A única postura que importa, neste momento, tem que ver com a reafirmação da disponibilidade da comunidade internacional para apoiar os esforços nacionais de reconstrução da Líbia, num clima de paz civil e de respeito pelos direitos humanos de todos os cidadãos.

Tinha previsto escrever esta semana sobre as ondas provocadas pela cimeira Sarkozy/Merkel de 16 de agosto. Como não podia ignorar a evolução da situação na Líbia, ficou pouco espaço disponível. Mesmo assim, penso dever dedicar umas linhas ao assunto.

O problema que ambos enfrentam é muito claro: sofrem de fraca credibilidade. Quer na frente interna quer na externa. Os eleitores alemães deixaram de acreditar na chanceler - menos de um quarto do eleitorado votaria hoje em Angela Merkel. Em França, o presidente tem um índice de popularidade pouco acima dos 30 por cento. Com uma base de apoio tão estreita, seria importante que obtivessem um certo reconhecimento ao nível europeu. Tal não tem acontecido. As intervenções de Merkel e Sarkozy suscitam sistematicamente comentários negativos e, nalguns casos, sarcásticos, por parte de quem influencia a opinião pública europeia. Os próprios mercados deixaram de acreditar nas iniciativas do par.

Esta é uma das facetas do drama europeu atual. Num momento em que se vive um enorme défice de confiança, os únicos líderes que se mexem não têm credibilidade suficiente. Os outros ficam mudos e quedos, só pensam em política interna. A Finlândia, a Holanda, a Eslovénia, a Eslováquia e a Áustria têm atualmente uma classe política com atitudes nacionalistas exageradas, que podem pôr em causa o novo pacote de ajuda à Grécia e contribuir para fraturas profundas, num momento de grande fragilidade.

Uma outra faceta tem que ver com a proliferação de propostas irrealistas, como a relativa aos eurobonds. Esse tipo de obrigações exigiria uma governação económica e orçamental dirigida a partir de Bruxelas, o que tornaria necessário transferir prerrogativas de soberania dos parlamentos nacionais para um grupo de burocratas de elite. Alguém acredita que a Assembleia da República, as Cortes de Espanha ou o Bundestag, entre outros, estão preparadas para aceitar uma transferência de autoridade desse género?

É bom sonhar, idealizar um espaço comum mais equilibrado e capaz de responder aos desafios globais. Mas, nesta fase muito delicada do projeto europeu, também temos que ser pragmáticos, pensar na Europa dentro dos limites que nos são impostos pelas realidades históricas e as identidades nacionais. A Europa precisa de encontrar um novo equilíbrio, que conjugue estabilidade com crescimento. A responsabilidade não cabe apenas à dupla Merkel/Sarkozy.

IN "VISÃO"
25/08/11

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