03/09/2011

JORGE FIEL



Eram pr'aí cinco e pico

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No baile da D. Ester, foram dar com o chauffeur a dançar com a criada, enquanto a D. Inês, sequiosa, não resistiu ao whisky e partiu a coluna ao dançar o twist. Como uma desgraça nunca vem só, o D. José de Vicente, que é de S. Pedro da Cova, foi parar ao hospital depois de escorregar no soalho a dançar a bossa-nova.
Os mais velhos reconhecerão nesta sucessão de episódios o mais magnífico dos megaêxitos do Conjunto António Mafra, de que eu tomei emprestada a letra.
Voltei a ouvir o "Eram pr'aí sete e pico" na sessão de Discos Pedidos, em que a combinação iPad/YouTube fez de jukebox, que animou a nossa noite de sábado no Zavial, onde há mais de 15 anos passo a última quinzena de Agosto numa pequena casa, a não mais de 300 metros da areia.
A transparência cristalina da água do mar compensa amplamente o facto dela ser bem mais fria que a das mais concorridas praias do Sotavento algarvio.
Um areal asseado e desimpedido, que nos dispensa de estender a toalha a menos de dez metros do ser humano mais próximo, ajuda--nos tolerar o vento que às vezes pode ser chato.
E de bónus, recebemos ainda o zurrar dos burros, a bênção de noites estreladas que fariam Van Gogh morder-se de inveja, o doce aroma das figueiras onde petiscamos na ida e regresso das praias, e o coro monocórdico das cigarras.
A tranquilidade deste pedaço do Algarve intocado pela Via do Infante foi perturbada pela notícia do avistamento de tubarões, que forneceu ao Zavial Via Verde para os telejornais e a capa da imprensa sensacionalista.
Eram para aí cinco e pico quando alguém viu uma barbatana no mar, a uns 300 metros do areal. Foi o tempo de um fósforo até à praia estar toda de pé, a testemunhar o rápido desaparecimento da misteriosa barbatana.
Os nadadores-salvadores aconselharam prudência aos banhistas - que nem por isso deixaram de dar os seus mergulhos - e comunicaram o ocorrido às autoridades marítimas, enquanto que na praia se debatia o formato da barbatana - era de golfinho ou de tubarão? - e se exibiam os conhecimentos aprendidos no filme que catapultou Spielberg para a fama.
Nas horas seguintes, deu-se a matéria suficiente para o ditado "quem conta um conto acrescenta um ponto" ser convertido em tese de doutoramento, e o país foi (mal) informado de que dois tubarões, com quatro metros, foram avistados junto ao areal, no Zavial, gerando o pânico generalizado dos banhistas e obrigando à evacuação da praia - um relato ainda menos rigoroso e preciso que a indicação das horas (eram pr'aí sete e pico, oito e coisa, nove e tal) dos infaustos acontecimentos do baile da D. Ester, que terminou abruptamente quando faltou a luz, gerou-se a confusão natural, e a Locas, ao ver-se nos braços do Amaral, gritou aflita: Acendam o castiçal!

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
22/08/11

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