11/08/2011

PEDRO CAMACHO








Tiro ao euro aumenta parada
O novo plano europeu apenas alargou o tabuleiro de jogo dos mercados financeiros, aproximando-os do coração da UE

De 6 biliões para quase 18 biliões de dólares é quanto salta a dívida pública dos Estados Unidos entre 2000 e os nossos dias.

Quase triplica. No entanto, foi com alívio que toda a gente viu democratas e republicanos a fecharem um acordo para que o teto da dívida americana possa voltar a aumentar (pela enésima vez desde que foi constituído), possibilitando que a administração pública dos EUA cumpra com as suas obrigações. Um alívio para os norte-americanos, que veem afastada a possibilidade de uma bomba rebentar no meio do seu tecido económico, mas também para o resto do mundo, que vê desaparecer um risco de contágio e de crise global. Mas estamos, claramente, num mundo virado do avesso, onde uma boa notícia num lado seria uma péssima notícia noutro.

O alívio sentido com a permissão de aumento do endividamento norte-americano é, simultaneamente, um completo contrassenso, já que os EUA, patentemente, estão numa espiral insustentável há já vários anos uma bolha que um dia irá, inevitavelmente, estoirar, caso o caminho não seja rapidamente invertido. Estoirar por lá e pelos quatro cantos do mundo. E é por ser assim que democratas e republicanos, apesar deste inevitável acordo, discutem como travar o crescimento louco e indisfarçável do défice, sendo certo que têm pela frente a quadratura do círculo, já que uns não querem reduzir despesa com a Defesa e os outros a querem aumentar com a Segurança Social, que uns não querem aumentar impostos sobre a riqueza e que outros acham esse passo inevitável para garantir níveis mínimos de dignidade social e de subsistência económica.

Em bom rigor, não há aqui novidade, é a discussão do costume entre democratas e republicanos. Mas há um novo "pano de fundo" face aos Estados Unidos de Clinton e ao seu superávit orçamental: os EUA continuam a ter capacidade de crescimento, mas são uma potência que entrou em fase de declínio económico, financeiro, militar e de liderança global.

O que torna tudo ainda mais complicado e perigoso, apesar de os EUA continuarem a merecer notações "triple A", nomeadamente da Fitch.


AO MESMO TEMPO, neste lado do Atlântico, os europeus começaram a entrar em pânico, com os juros da dívida pública italiana e espanhola a dispararem para valores insustentáveis, na ordem dos 6,5%. Um patamar que foi de imediato classificado, por inúmeros especialistas, como de "não retorno". Isto é, o dia de terça-feira, 2 de agosto, chegou ao fim com a convicção instalada nos mercados de que a Itália e a Espanha se juntaram definitivamente ao grupo dos aflitos do euro, estando condenadas, mais cedo ou mais tarde, a pedir ajuda financeira internacional. O jogo mudou claramente de nível. Já não se trata apenas de Estados periféricos geográfica, politica e economicamente. Em jogo, agora, estão Estados verdadeiramente centrais no projeto do euro e da União Europeia, com um peso conjunto de quase 30% do PIB desta região político-económica.

O novo pacote europeu de socorro financeiro, que flexibilizou regras, alargou fundos, aprovou medidas especiais que tornam mais improvável o fantasma do incumprimento grego e aliviou as pressões sobre Portugal e a Irlanda, não teve, assim, qualquer efeito. Pelo contrário, parece apenas ter alargado o tabuleiro onde hoje se joga o tiro ao euro, aproximando os ataques dos mercados financeiros ao coração da Europa. Definitivamente, está na hora de a UE estabelecer, de uma vez por todas, o seu plano de prioridades.

De decidir quem prevalece sobre quem.

De afirmar, de forma inequívoca, se está mais interessada em sustentar as regras de jogo de um mercado financeiro global que funciona segundo padrões que já não servem o interesse público internacional, ou se está prioritariamente comprometida com a construção de um espaço político partilhado por uma pluralidade de Estados, assumindo essa realidade como enquadradora de todas as suas outras opções políticas.


SE HÁ COISA QUE É VERDADEIRAMENTE injusta nos dias de hoje, em que as pessoas de poucos recursos são literalmente despejadas para zonas periféricas e afastadas dos seus locais de trabalho, é o peso incomportável que os transportes coletivos podem ter no orçamento de uma família de poucos recursos. E não será a criação de tarifas sociais que irá resolver este dramático aumento dos transportes públicos, porque já todos sabemos o que significa este discurso: apenas os mais pobres dos pobres terão acesso a tais tarifas.

Deixando de lado considerações importantes, como as políticas energéticas, de ambiente e de ordenamento do território, ou o défice comercial que só por si recomendariam uma política integrada de promoção do uso de transportes coletivos pela generalidade dos cidadãos, independentemente da sua condição económica com este aumento de preços, somado à promessa de novo acréscimo dentro de meses, o Governo toma uma decisão que irá causar danos irreparáveis a inúmeras famílias. Mais impostos? Se há áreas em que o Estado deve estar (pelo menos politicamente) presente, uma delas é claramente a dos transportes, garantindo o direito/necessidade essencial de mobilidade mínima a todos os cidadãos.

IN "VISÃO"
06/08/11

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