13/07/2011

VASCO BARRETO



O nono dia da criação


Quando a picaresca Sarah Palin fez pouco dos que estudam a mosca da fruta, todos lembraram que a investigação fundamental se justifica enquanto antecâmara da investigação aplicada, que produz curas e lucro. Em tempo de crise, este argumento ganha peso e quem ouse lembrar o valor do "saber pelo saber" passa por lunático.

Embora a publicação da estrutura do ADN não tivesse curado uma única pessoa nas décadas seguintes, nesse ano (1953) o mundo ficou um lugar menos estranho, porque, excluindo os segredos que dão emprego a psicanalistas, desvendou-se o "segredo da vida". Os pioneiros da biologia molecular, tão bem retratados no clássico The Eighth Day of Creation, de Horace Freeland Judson (urge traduzir), não eram "empreendedores" obcecados com patentes, mas naturalistas apaixonados pela biologia. E o seu triunfo não precisa do reconhecimento retrospectivo de que ergueram os alicerces da medicina futura, pois produziram um saber com a beleza das coisas essenciais.

O programa para a ciência do PSD é paradoxal, porque privilegia a tecnologia e um partido liberal deveria defender que esta funciona melhor com investimento privado. Parece também que se alargou à ciência básica a desconfiança com que a direita encara os agentes culturais, esquecendo-se que a comunidade científica tem mecanismos objectivos de avaliação que evitam transformar o "saber pelo saber" num livre- -trânsito para caprichos. Resta a esperança de que os programas raramente são cumpridos.

Investigador do Instituto Gulbenkian da Ciência

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11/07/11

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