28/05/2011

JOÃO CARDOSO ROSAS

 
João Cardoso Rosas

 

 

Cortinas de fumo


Os intelectuais de direita que rodeiam Passos Coelho, tão ou mais dogmáticos do que os velhos marxistas de 1975, vêem na crise económica e financeira e no programa de ajuda estabelecido pela ‘troika’ uma oportunidade de ouro para mudar radicalmente as políticas públicas em Portugal.

O seu objectivo final consiste em diminuir o peso do Estado retirando-o da economia, fazendo ‘outsourcing' das suas funções sociais e submetendo o que sobrar ao paradigma de uma administração pública vista como providenciadora de (cada vez menos) serviços a clientes e já não de bens públicos a cidadãos.

É claro que os militantes e simpatizantes do PSD nem sonham com isto. Não é esse o discurso que eles ouvem aos seus dirigentes mais conhecidos, cheio de palavras como "justiça", "social", "inclusão", "coesão", etc. Nenhum desses dirigentes ousa falar verdade porque os estudos de opinião mostram que os votantes de direita são quase tão avessos a programas de tipo liberalizante e redutor do papel do Estado como os votantes de esquerda. Mas, como a esmagadora maioria das pessoas não conhece os programas dos partidos e menos ainda o verdadeiro pensamento dos seus protagonistas, vota em função da identificação pessoal com o próprio partido ou com o líder do momento. Se o PSD ganhar e conseguir formar um Governo à direita, os seus votantes só se aperceberão daquilo que escolheram depois dessa mesma escolha.

Quanto à esquerda moderada, neste momento parece já não ter sonhos. Mas encontrou na liderança frágil de Passos Coelho um motivo para permanecer viva. José Sócrates diz apenas duas coisas: que ele próprio e a governação do PS entre 2008 e 2011 nada têm a ver com a crise - o que é falso - e que a função de um Governo do PS consistirá na protecção do papel do Estado e das suas funções sociais - o que é enganador. O engano é o seguinte: por um lado, a própria crise está a encarregar-se de diminuir o papel do Estado e os direitos económicos e sociais dos cidadãos; por outro lado, um Governo do PS terá de aplicar o memorando de entendimento - que traduz uma política de direita, funcionalista e anti-igualitária.

De acordo com as sondagens, os militantes e simpatizantes da esquerda continuam a acreditar neste discurso e a pensar que Sócrates vai salvar agora aquilo que não salvou antes. O objectivo desses votantes é apenas o de evitar um Governo do PSD, numa perspectiva de mal menor, não em função de um projecto de futuro para o país. Se o PS ganhar e conseguir formar Governo, eventualmente com o apoio do CDS, os seus votantes descobrirão mais tarde que as políticas a adoptar serão apenas um pouco menos radicais do que as do PSD.

Assim vai a campanha eleitoral.
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 Professor universitário

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
27/05/11

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