08/02/2011

ALMORRÓIDA TRAMBIQUEIRA


Comissão "veta" partilha de dados com EUA

A CNPD alerta que os EUA não dão garantias 
de protecção dos dados pessoais transmitidos.

Abusivo, excessivo, demasiado genérico, difícil controlo de pesquisas indevidas, sem garantia da protecção dos dados transmitidos para os EUA e falta de salvaguarda da pena de morte na partilha de informação. Estas são algumas das conclusões a que a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) chegou na sua análise ao acordo que o Governo português assinou com os Estados Unidos. Este tratado prevê a troca automatizada de dados pessoais, impressões digitais e perfis de ADN.

O parecer da Comissão, que foi ontem enviado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), contraria fortemente as palavras do Governo sobre esta polémica. Em reacção às notícias do DN, que davam conta de várias dúvidas legais sobre o acordo, os ministros dos Negócios Estrangeiros, Justiça e Administração Interna asseguraram, em comunicado conjunto a 17 de Janeiro, que a troca de informações para "reforçar a cooperação no domínio da prevenção e do combate ao crime" ressalvavam, "em diversas normas, a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias que decorrem do direito português".

Mas essa não é a avaliação da CNPD. Logo à partida, o tratado, assinado pelo ex-ministro da Justiça Alberto Costa, e da Administração Interna, Rui Pereira, em Julho de 2009, apesar de incidir em matéria de direitos fundamentais, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses, não foi dado a conhecer previamente à CNPD, conforme é exigido pela lei. Só quase ano e meio depois, em Agosto de 2010, a Comissão o recebeu para emitir o parecer.

A Comissão de Protecção de Dados, que encontrou 15 'falhas' neste texto (ver caixa ao lado), sugere mesmo que se "pondere se tem sentido pôr em aplicação o presente acordo bilateral, quando está em preparação um acordo- -quadro entre a União Europeia e os EUA" sobre esta matéria, com as garantias de protecção de dados exigíveis. Esta recomendação pode ser determinante para o sentido de voto dos deputados da Assembleia da República, quando tiver lugar a ratificação do documento. O mesmo apelo já tinha sido feito pelos eurodeputados Ana Gomes, do PS, Carlos Coelho, do PSD, e Rui Tavares, do Bloco de Esquerda, quando tomaram conhecimento da iniciativa bilateral do Governo português, à margem das negociações europeias.

A "ausência de nível de protecção adequado" por parte dos Estados Unidos em relação aos dados pessoais que lhe são transmitidos por países terceiros, é uma das preocupações da Comissão. Lembra que "o regime nos EUA coloca em posição particularmente precária os titulares de dados pessoais transmitidos por outros países" uma vez que os "indivíduos não nacionais dos EUA" não poderão "recorrer à via judicial para fazer valer os seus direitos em caso de eventual violação".

Em relação à garantia de que os dados transmitidos por Portugal não contribuam para uma condenação à morte - o que seria uma violação da Constituição e do Tratado de Lisboa -, a CNPD sublinha que tal não está salvaguardado. "O acordo devia ter uma norma que assegurasse claramente" que isso não podia acontecer, afiança a Comissão. O DN tinha levantado esta questão, com base na opinião de um penalista da Universidade Lusíada, Pedro Salreu, mas o Governo apressou-se a desmentir.

A Comissão de Protecção de Dados chama ainda a atenção para a "desproporcionalidade" do acordo no que diz respeito ao leque de crimes que engloba, que se lhe afigura "demasiado genérico". A CNPD concorda que a cooperação internacional é "relevante" para os "crimes de dimensão transnacional", mas que, neste caso, "não é feita qualquer distinção da natureza da criminalidade".

Estão abrangidos todos os crimes com penas superiores a um ano. "É grande a quantidade de crimes nessas condições - muitos deles correspondentes a condutas de gravidade social relativa. Não se vislumbra o alcance da transmissão de forma sistemática de dados de uma pessoa suspeita de burla simples ou de passagem de cheque sem cobertura", diz no seu parecer a CNPD.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/02/11

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