14/12/2010

MÁRIO RAMIRES




 O ilhéu

Carlos César devia seguir o exemplo do ministro Teixeira dos Santos: cumprir os cortes salariais, sem compensações injustificáveis, e... manter-se bem calado.
Teixeira dos Santos parece ter decretado poupança obrigatória também nas palavras desde o célebre encontro em casa de Eduardo Catroga - a que acabou por ter de se sujeitar para conseguir o acordo para a viabilização do Orçamento do Estado para 2011. Com efeito, desde então (e tirando a obrigatória participação na discussão parlamentar do OE) não faz uma declaração pública. Mas nem por isso deixa de tentar fazer passar a mensagem de austeridade que se impõe. Ou por decreto (na ordem de contenção absoluta ao Ministério da Justiça) ou por comunicado (no esclarecimento sobre a não excepção dos Açores nos cortes salariais).
Neste caso, num texto de dois parágrafos apenas, o seu Ministério das Finanças esclareceu que «a Lei do Orçamento de Estado para 2011 aprovada pela Assembleia daRepública determina um corte médio de 5% nos salários superiores a 1500 euros mensais» e esse «corte abrange todos os trabalhadores em funções públicas, trabalhadores em empresas públicas e entidades públicas empresariais, bem como os titulares de cargos e pessoal de diversos órgãos e entidades enumerados naquela lei», pelo que, conclui, «a lei é muito clara ao determinar que todos os subsectores da Administração Pública, incluindo portanto as Regiões Autónomas, estão, sem excepção, obrigados a proceder àquele corte salarial».
Tanto assim que, no tempo em que Teixeira dos Santos falava em público, chegou mesmo a aconselhar o sector privado a seguir o exemplo do Estado e a proceder também a idênticos cortes salariais.
Claro que o ministro não tem poder para impor aos privados a regra do corte salarial de 5% ou de interferir nos seus critérios de fixação de vencimentos mais do que ao salário mínimo diz respeito.
Como é claro que o estatuto de autonomia constitucionalmente reconhecido às regiões dos Açores e da Madeira implica privilégios legislativos que o Governo da República tem de respeitar.
Acontece que a Assembleia Legislativa dos Açores, por iniciativa do Governo de Carlos César, decidiu aprovar um diploma que estatui compensações para os funcionários regionais cujos salários estejam entre os 1500 e os 2000 euros.
Formalmente, não se trata de uma excepção - os cortes são aplicados como à generalidade dos funcionários da República -, mas, na prática, as medidas compensatórias decretadas anulam os seus efeitos. Uma habilidade jurídica inqualificável.
Bem pode o Governo da República aprovar resoluções que proibam excepções ou compensações excepcionais - como fez ontem o Conselho de Ministros -, ou o Presidente da República invocar princípios constitucionais de equidade, ou distintas personalidades, dos mais diferentes quadrantes, como Vítor Bento ou Vital Moreira (v. Público, edições de segunda-feira e de terça-feira, respectivamente) censurarem a des-solidariedade e a insustentabilidade política da decisão de César. O estatuto da autonomia dá-lhe fundamentos bastantes para os contrariar.
Vítor Bento e Vital Moreira têm total razão. O Presidente da República - mesmo que sem argumentos constitucionalmente relevantes - também. E o Governo da República igualmente.
Mas César leva a sua avante.
Permite-se, inclusivamente, responder-lhes com descabido topete, a roçar a insolência - como o fez em relação a Cavaco Silva, acusando o Presidente candidato a novo mandato em Belém de, com as suas críticas a uma medida de puro populismo regional, não estar a fazer mais do que uma tentativa de «caça ao voto».
Já não é a primeira vez que César ganha notoriedade no Continente com os seus ataques de autonomismo agúdo.
O último foi na polémica questão do Estatuto dos Açores, em que contou com total apoio do PS de Sócrates (e Cavaco era quem tinha a razão).
Mas, desta vez, nem no Governo da República nem no partido que tem a ambição de um dia liderar, encontrou apoios.
Mais lhe valera ter seguido o exemplo de Teixeira dos Santos e ter ficado calado - ninguém que não é solidário deve esperar a solidariedade dos outros.
E os privilégios da insularidade de que César se fez valer têm, para ele, esse custo maior: o Continente não lhe perdoará.

IN "SOL"
10/12/10

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