07/12/2010

LUÍS FILIPE BORGES











Cinco breves numa crise longa

Parece mal um guarda-redes celebrar uma defesa. Há uma nobreza na função que desaconselha tais atitudes. Por Deus, o homem tem um equipamento diferente e tudo!

I - O ingrato enfado de ser brilhante

Se gosta de futebol, certamente já viu isto: o guarda-redes faz uma extraordinária defesa e, acto contínuo, desata a barafustar com os seus colegas, normalmente os da defesa. Vai o público afecto nem a meio de um brutal aplauso e o adversário de mãos na cabeça e olhar siderado, e já o keeper dispara numa diatribe contra tudo e contra todos, mundo aparentemente incluído.

Excepcionalmente, é verdade, vemos um guardião celebrar a sua grande estirada (às vezes nem tão notável quanto isso, as chamadas defesas para a fotografia ) mas este é um acto isolado e pindérico que só alguns se permitem fazer. Vítor Baía, por exemplo, fê-lo algumas vezes. Parece mal. Há um romantismo naquele cargo, uma nobreza naquela função, o último reduto antes do golo, que desaconselha tais atitudes. É por isso que só a um guarda-redes se podem entender os calduços e impropérios distribuídos a eito por ter sido obrigado a ser brilhante. Como se ele afirmasse amiúde que, para intervir, é só porque alguém antes na jogada fez asneira. Não o chamem à acção por dá cá aquela palha. Por Deus, o homem tem um vestuário diferente e tudo!

Ou alguém imagina um avançado, após roubar o esférico, driblar meia equipa contrária e fazer um chapéu ao porteiro adversário, começar aos berros mal encarados, mandando vir para com os colegas que correm para abraçá-lo?

II - Três pérolas escutadas em cafés

«Vi o 9 Semanas e Meia em 18 minutos».
«Com o bem dos outros posso eu mal».
«O meu sonho é dormir num colchão integralmente composto por mamas».

III - Criatividade à portuguesa

Contou-me esta história um amigo músico, membro de uma banda extinta mas que correu o país de norte a sul, por tudo o que era cidade ou vilarejo, na década de 90. Nessa vida de estrada era habitual partilhar palco com bandas locais ou semi-anónimas a fazer pela vida. E foi então, algures num ou noutro vilarejo, que se tornou comum encontrar o grupo dos amigos Joaquim, António e Guedes. Decorou os nomes deles não exactamente pela qualidade ímpar da sua música mas pela originalidade do seu título, com direito a inscrição na carrinha dos instrumentos - fazendo furor por onde passava. Talvez não fossem sequer os maiores fãs de Talking Heads, mas não quiseram desperdiçar a oportunidade de, por um lado, adoptar a bem nacional prática de colocar os próprios nomes no das respectivas empresas e, por outro, provocar sorrisos cúmplices em quem entendia a piada. Como se chamava então este mítico agrupamento musical que talvez ainda exista, tocando covers num arraial perto de si? A banda dos amigos Joaquim, António e Guedes?...(ler depressa) TÓ QUIM GUEDES.

IV - Os vizinhos dos assassinos

É dito e feito, certinho como o Natal em Dezembro. Há-de reparar o amável leitor nas entrevistas aos vizinhos de recém-apanhados assassinos ou violadores - ver os casos do Rei Ghob ou do Violador de Telheiras. Ponham-lhes um microfone à frente para saber, em pleno Jornal Nacional, se alguma vez desconfiaram do agora comprovado psicopata do prédio limítrofe e as respostas são consensuais: Era um moço pacato, educado, amigo do seu amigo. Um óptimo cliente, silencioso, respeitador. Ainda no outro dia ajudou uma velhinha a atravessar a rua e deu boleia à minha mãe doente para o hospital . Juro que parecem seguir um guião, tal a unanimidade.

Dá vontade de propor um desafio a uma espécie de para-polícia, uns batedores de bairros com autoridade para dar voz de prisão. Era de pesquisar cada rua portuguesa e bater às portas com uma única e singela pergunta: o seu vizinho é boa pessoa? Todos os que recebessem encómios semelhantes aos supracitados iam dentro, imediatamente de cana com direito a sol aos quadradinhos; quem fosse enxovalhado de filho-da-mãe para baixo continuava em liberdade. O inferno são os outros?

V - Delírio de restaurante

Embora custe a acreditar pela fotografia ali em cima à esquerda - e passe a ocasional mousse de chocolate -, o escriba nunca foi homem de sobremesas. Por isso nutro sempre um saudável carinho pela pergunta mais repetida pelos convivas pouco antes de dar por encerrado o banquete. Olham o atento empregado com ternura infantil e questionam, enquanto arranjam um espacinho aconchegante no estômago para o que aí vem: O que é que tem? .

Nos últimos tempos dou por mim a imaginar diálogos alternativos, na duração do rol de sobremesas, na esperança de que um dia apareça um empregado sarcástico ou apenas com vontade de, bem a preceito, gozar o prato:

- O que é que tem?

- . Ora bem, tenho um pequeno mas simpático apartamento no Dafundo, um Ford Cosworth velhinho mas estimado que é uma máquina, e uma esposa doméstica que amo como no primeiro dia em que a vi.
- A esposa é caseira?
- É sim senhor, somos muito caseiros!
- Então pode ser.

IN "SOL"
03/12/10

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