15/11/2010

ANTÓNIO GASPAR




O festim continua



O Boletim Estatístico do Banco de Portugal, do passado dia 20 de Outubro (o último), não deixa margens para dúvidas – o festim do crédito de cobrança duvidosa ou malparado, continua a sua dinâmica avassaladora de crescimento.


No entanto, o comportamento nestes últimos três meses (Junho, Julho e Agosto), mostra-nos um novo paradigma - o crédito ao consumo e o crédito para outras finalidades vêm caindo na sua concessão, mas em termos de incumprimento o seu comportamento é imparável - só no mês de Julho, o crédito malparado resultante do crédito concedido ao consumo, aumentou 6,35% - é obra!

Entende-se que as instituições financeiras, com as dificuldades na obtenção de fundos e com a subida do seu custo, se resguardem nos créditos para os quais têm garantias reais - o caso do crédito hipotecário - deixando cair as outras variantes, onde os incumprimentos são maiores e a probabilidade de serem completamente ressarcidos é menor.

No entanto, gostaria de adiantar algumas justificações para este estado calamitoso. Já há muito que venho referenciando a total ausência de contas que os mutuários deveriam fazer. Dois exemplos. No caso do crédito ao consumo, o mutuário só lhe interessa saber qual o montante da "renda", e de forma sumária, decide desde logo o endividamento nesse produto. Acaso fizesse contas e soubesse que mais de 90% dos créditos concedidos para consumo trazem com eles uma taxa bem superior a 20%, talvez esse facto actuasse como inibidor a esse mesmo endividamento.

Outras contas que não são feitas, são aquelas que relevam do endividamento total a que cada mutuário está exposto. Cada mutuário não tem só um crédito, terá sempre mais que três. No momento em que decidiu contrair esses mesmos créditos não fez as contas que se impunham - se o serviço da dívida (amortização de capital + juros) seria acomodado pela dimensão dos rendimentos do seu agregado familiar.

Aqui entronca a minha grande preocupação - isto acontece e vai continuar a acontecer, porque não existem acções profilácticas de sensibilização ao endividamento das famílias, que demonstrem qual o nível de endividamento adequado para cada agregado familiar, contando desde logo com uma almofada de segurança, para situações inopinadas que inevitavelmente irão acontecer ao longo da vida dos empréstimos.

Essa acção de sensibilização profiláctica, há muito que deveria ser tomada pelo Estado central, mas como este lhe volta costas e há muitos cidadãos que necessitam desta ajuda, chegou o momento das Autarquias Locais e muito particularmente as Câmaras Municipais, chamarem a si estas acções. Até por uma questão cívica e de cidadania, as Câmaras Municipais deveriam promover, através dos seus Gabinetes de Acção Social, acções continuadas e discretas de sensibilização profiláctica para o endividamento, junto dos seus munícipes, endividados ou que pensam vir a fazê-lo. Não é tarde para meter mãos à obra. Quanto mais cedo se avançar neste capítulo, mais famílias beneficiarão e como tal, menos danos colaterais se contabilizarão, resultantes dum endividamento não calculado e cujas nefastas consequências sempre arrasta consigo.

ESPECIALISTA EM ENDIVIDAMENTO

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
12/11/10

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