29/10/2010

MÁRIO RAMIRES




A mãe Europa e o amigo americano


Num país de paradoxos, a viabilização do Orçamento do Estado acaba por interessar muito mais aos partidos da oposição do que ao partido do Governo.
Em 2009, um em cada cinco portugueses ou era pobre ou vivia no limiar da pobreza. Os dados são do INE e foram divulgados na quarta-feira.
Acontece que nos mais de nove meses que entretanto passaram, que não foram de bonança, a situação só pode ter piorado. E, como dizia ontem ao Público o padre Jardim Moreira, da Rede Europeia Antipobreza, o que se antevê para os próximos tempos é que «o cenário vai agravar-se e muito» com as medidas contidas na proposta de Orçamento de Estado para 2011.

Pobre gente. Pobre país.

Esse é o drama da gente: é que o país é pobre. E andou tempo de mais a viver a fingir que era rico - a fingir, porque rico não vive assim: não pede, cobra; não gasta, investe; não desperdiça, cria valor; não subtrai, multiplica... Por isso é que é rico.

Portugal é pobre. E mais pobre vai ficar com um Orçamento que inevitavelmente vai ter de ser viabilizado no Parlamento, com ou sem sensibilidade do Governo às propostas, às sugestões, às condições, aos pressupostos, ao ultimato, seja qual for o nome que se quiser dar aos seis pontos que o PSD esta semana lançou para o centro do debate político nacional.

Não tem alternativa, nem há volta a dar.

Os mercados internacionais não perdoariam, a Europa não toleraria, os Estados Unidos não compreenderiam e por aí fora.

Pobre não manda, sujeita-se.

Uma notícia divulgada nesta semana pela Agência Lusa reproduzia as seguintes declarações do embaixador americano em Lisboa, Allan Katz: «A nossa esperança é a de que Portugal consiga chegar a um consenso no que diz respeito ao Orçamento do Estado e siga em frente». E continuava o take da Lusa: «Allan Katz admitiu ainda que os EUA têm trabalhado em proximidade com o Governo português «na tentativa de ajudar»».

Ninguém ligou muito à notícia, mas ela tem que se lhe diga.

Pedido esclarecimento pelo SOL, a resposta oficial foi formal e diplomaticamente correcta: «A Embaixada dos EUA segue de perto os acontecimentos políticos e económicos portugueses. Na era económica exigente que vivemos, muitos governos enfrentam decisões difíceis e é um assunto interno do Governo de Portugal decidir qual o melhor rumo a tomar».

Pois sim, na era económica exigente que vivemos , Portugal não tem margem de manobra.

A soberania, em matéria económica e financeira, há muito que está hipotecada e não só por via dos tratados europeus a que voluntária e acertadamente o Estado se vinculou.

Ganhou enquanto foi bom aluno, apesar de todas as batotas a que não foi capaz de pôr cobro, mas desbaratou tudo mal se viu com folga no saco.

Não há mais. A questão é essa.

Nem a Europa nem os Estados Unidos estão para continuar a alimentar países párias.

O braço-de-ferro entre os socialistas no governo e os sociais-democratas na oposição nos termos em que publicamente se tem manifestado é, por isso, inútil e fantasioso.

As negociações agora iniciadas entre o Governo PS e o maior partido da oposição, seja qual for a medida das cedências de cada um, só podem ter uma conclusão: o Orçamento do Estado será viabilizado.

É claro que, independentemente das preocupações com o presente e o futuro do país, os partidos não deixam obviamente (também ou sobretudo) de cuidar dos seus próprios interesses e projectos de poder.

Porque no estado a que chegámos, as eleições antecipadas são inevitáveis mais semestre, menos semestre - excluído o próximo, por condicionalismos constitucionais inultrapassáveis (e ao menos isso que sirva de lição para o futuro).

E, por paradoxal que pareça, só ao partido da maioria pode interessar uma crise política já (as consequências externas de um chumbo do Orçamento dar-lhe-iam o álibi que não tem para a situação a que conduziu o país) e só os partidos da oposição podem beneficiar com a obrigatoriedade de o Governo continuar a governar.

Porque toda a gente já sabe que os sacrifícios são inevitáveis.

Mas se serão suficientes e virão a valer mesmo a pena é que o pobre desconfia... e, neste caso, o rico também.

IN "SOL"
22/10/10

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