16/10/2010

HENRIQUE SANTOS


Os carros eléctricos 
agravam o défice português?

Independentemente das características de quem está do outro lado (idade, género, formação académica e profissional, experiência de vida,...), reparo que, não raras vezes, tenho de simplificar o discurso, no sentido do meu interlocutor melhor compreender a mensagem. Mas a culpa é minha!

Não utilizo, nem pouco mais ou menos, um discurso demasiado elaborado. Grosso modo é aquele que uso nesta crónica, e com o qual tento que o maior número de pessoas consiga compreender / interiorizar a ideia fundamental. Diferente será a forma como o faço, e que, admito, pode levar a interpretações diversas, até porque a subjectividade inerente e o discurso metafórico a isso se prestam (quando tal acontece, é porque pretendo despertar a discussão).

Numa das crónicas anteriores que escrevi, e na qual tentava, de alguma forma, destacar o problema da nossa falta de formação/educação em assuntos relacionados com a economia (como em muitas áreas, porque é demasiado tecnicista o discurso usado), fiquei ainda mais consciente da necessidade de simplificar "as coisas" como muitas vezes advogo, ao ponto de ficarem "nitidamente-claras". E a simplificação, mesmo que possa ser linguística, tem maior relação com a clarificação dos conceitos.

A maioria de nós, ainda que o assumindo como dogma, não percebe qual a razão de sucessivamente receber apelos à racionalização no consumo de energia, e diminuir o consumo da nossa factura de electricidade (de cada um), como forma de fazer diminuir o défice de Portugal face ao exterior (chamemos-lhe assim). Então, "se eu tenho dinheiro para pagar, qual é problema? Mas tudo bem, se querem que eu não gaste dinheiro e se de facto posso pagar menos, aceito como uma verdade absoluta esse desígnio" (friso que a electricidade é meramente um exemplo).

A explicação para esses apelos de racionalização do consumo (e reparem que coloquei "racionalização" e não "diminuição" - defeito de formação à vista), reside no facto de, infelizmente, Portugal não ser capaz de produzir para si próprio energia eléctrica suficiente para as suas necessidades, ao ponto de ter de a adquirir ao exterior. E isso, directamente implica a saída do nosso "dinheiro" para um país terceiro que a produz... Assim, existirá uma parte da factura que pagamos, que será usada para liquidar dívidas a fornecedores do exterior de Portugal.

Quando falamos em electricidade, há ainda outra informação que importa destacar, e que rapidamente se explica. A electricidade não é inócua ao ambiente como se pretende fazer crer (há a componente da produção), isto é, a produção que a sustenta, não é, nem pouco mais ou menos, realizada em exclusivo com recurso a fontes de energia renováveis e/ou não poluentes. Pretende-se sim, é que a electricidade seja, cada vez mais, produzida a partir de fontes de energia renováveis e não poluentes. Para perceber o que acabo de dizer, basta qualquer um de nós visualizar a factura de electricidade e analisar o mapa de contribuições, isto é, a percentagem das fontes de energia primárias utilizadas na produção de electricidade adquirida pelo fornecedor (já repararam se a energia nuclear aparece na factura com alguma contribuição?), bem como as emissões de CO2 correspondentes à energia consumida, dados estes indicados na nossa factura de electricidade. Depois deste discurso, perguntar-me-ão: "Então e os carros eléctricos?, bem,... sem referir como e onde são produzidos,..., quer dizer que afinal?,..." A minha resposta é simples: "Não, não quer dizer nada, creio que já consegue tirar as suas próprias conclusões e de forma sustentada. No entanto o meu conselho continua no sentido da poupança do consumo de energia (eléctrica ou qualquer outra), tendo sempre por pano de fundo a comparação entre todas as fontes de energia."

É pois importante perceber que a economia não é uma ciência que cabe a um restrito número de intelectuais, que, por obrigação ou não, nós há-de guiar ao longo da vida (também darão o seu contributo é certo, e têm, naturalmente, o seu imprescindível papel). Cabe-nos a nós ser sobriamente capazes de tomar as nossas decisões de forma sustentada e esclarecida.

Tal como sabemos que, na maioria das vezes com um chá nos passa uma indisposição, e que se ela persistir vamos ao médico, também na economia temos de ter conhecimento suficiente que nos permita tomar uma decisão consciente, esclarecida e sustentada, e quando algo for mais profundo, aí sim, devemos, tal como na medicina, ter a destreza e capacidade de recorrer a quem seja mais especializado.

Será esta aquela fraude que, inconscientemente, fazemos quando tomamos as nossas "decisões de racionalização económica" no dia-a-dia? Fica a questão.

IN "VISÃO"
14/10/10

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