02/10/2010

ANA SÁ LOPES




As verdadeiras agências de comunicação 
de Cavaco Silva


Depois da ameaça de demissão do primeiro-ministro, o Presidente pode dispensar qualquer agência de comunicação para a campanha eleitoral


O "Expresso" de sábado anunciou uma notícia curiosa: em tempo de austeridade, Cavaco Silva dispensará uma agência de comunicação. Na última campanha, o Presidente tinha recorrido à mesma agência de comunicação que aconselhou Sócrates - a LPM. Mas não haverá renovação de contrato para Janeiro de 2011.

Tirando os maus momentos, Cavaco Silva é de 1985 para cá - ou até antes - uma verdadeira agência de comunicação. Juntas, a metade autêntica e a metade fabricada do cidadão Aníbal Cavaco Silva formam um "produto comunicacional" ou, digamos, uma "marca" segura, tão segura que já deu as duas primeiras maiorias absolutas da democracia e uma eleição presidencial.

Mesmo assim, isso poderia não chegar: o primeiro mandato do Presidente teve momentos de sério desgaste em conflito com o governo que voltou a ganhar as eleições há um ano. Mas o inesperado aconteceu e o governo tornou-se a verdadeira agência de comunicação de Aníbal Cavaco Silva. Depois da ameaça de demissão do primeiro-ministro (a enésima, é certo) num momento em que se torna impossível a dissolução do parlamento e a convocação de eleições antecipadas, o Presidente da República pode dispensar qualquer agência de comunicação.

Manuel Alegre enfureceu-se porque percebeu claramente o que aí vinha. A iminência de uma crise com estes contornos favorece o papel do supremo magistrado e estende um tapete vermelho para a reentrada da família Cavaco em Belém. As pessoas têm de ter qualquer coisa a que se agarrar.

Há qualquer coisa de non-sense na espécie de troca de parceiros políticos que está a decorrer nestas presidenciais. Cavaco Silva é o maior suporte do governo (certamente a contragosto) e dará o tudo por tudo pela aprovação do Orçamento, uma estratégia que vai contra a afirmação do espaço político de Pedro Passos Coelho - que ainda não exclui levar a ameaça do chumbo do Orçamento até ao fim. Sucessivos cavaquistas apareceram a seguir a linha e a pedir a abstenção de Passos Coelho.

Em contraponto claro com Cavaco Silva, Manuel Alegre só pode estar contra o Orçamento - pelo menos esta semana veio protestar contra as "receitas" da OCDE que o governo festejou com pompa e circunstância inéditas e que abriram caminho ao anúncio dos cortes de despesa e do aumento de impostos de ontem. Aliás, ficou evidente que a OCDE (e não só o governo) também pode ser uma grande agência de comunicação.

Nos tempos duríssimos que se avizinham, Manuel Alegre vai ter um papel ingrato. A abertura de discurso possível há cinco anos já não o é: infelizmente, já não é o candidato da "cidadania" e sofre a torturante condição de ser - e não ser ao mesmo tempo - o candidato do PS. Quando se atira à OCDE, é o candidato do Bloco de Esquerda que fala.

Se o governo tem cumprido na perfeição o papel de agência de comunicação do Presidente da República, Pedro Passos Coelho também se arrisca a caber na função, se levar até ao fim o radicalismo de chumbar um Orçamento feito sob a pressão dos mercados internacionais, da Europa e do fantasma do FMI. Passos Coelho faz bem em não querer fazer de idiota útil (aquele que dança o tango, mas com o governo a escolher sozinho a música), mas aparecer como "o responsável" por uma crise política no pior momento económico dos últimos anos pode sair-lhe caro - e render a Cavaco.

in "i"
30/09/10

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