13/09/2010

PEDRO IVIO CARVALHO





Abusos sexuais de menores. Não esquecer

O caso "Casa Pia", pelos intervenientes que agregou, ficará, se não para sempre, pelo menos durante uma pequena eternidade, inscrito como o mais complexo, moroso, delicado e mediático processo da Justiça nacional.

Não vou gastar linhas com insinuações, juízos de intenção ou veredictos sobre culpados ou inocentes. Disso já estamos fartos. Só posso aceitar e acreditar naquilo que os juízes decidem. Os de primeira instância e os de recurso.

O que realmente me importa relevar é a perigosa tentação que muitos dos agentes que personificaram esta odisseia judicial demonstram em transformar um caso de abuso sexual de menores numa mera batalha processual, em torno de artigos, leis e códigos. É certo que é nesse terreno que se move o seu argumentário, mas, de repente, parece que os crimes abjectos que o tribunal deu como provados são notas passageiras de fundo de página, apêndices de uma narrativa que se socorre de contradições linguísticas, prazos e requerimentos. Parece que não houve abusos, que não houve vítimas. Que não houve pessoas. Menores. Parece que tudo se joga no palco mediático por aqueles que dominam as técnicas da linguagem, do "sound-bite", que são mestres na descredibilização do discurso, exímios na arte de criar, por via do barulho, a dúvida na nossa consciência.

Neste particular, há que reconhecer que a Justiça também desempenhou uma nada honrosa tarefa, ao ser incapaz de agir com diligência, numa primeira fase, e de evitar tropeções escusados após a sentença, como seja o de não ser capaz de tornar público o acórdão, aparentemente devido a insuficiências informáticas. Cómico, se não fosse trágico.

Mas o processo Casa Pia não nasceu para expiar os pecados morais do regime. Deitar o Estado no divã em busca de um colectivo subconsciente obscuro é distorcer o essencial. O processo Casa Pia não é um megafone para advogados e juízes. O processo Casa Pia é uma lição para ser interiorizada em silêncio.

P. S.: O Carlos Cruz que aludiu aos tribunais plenários para caracterizar a força com que o céu lhe caiu sobre a cabeça, o Carlos Cruz que disse e repetiu que vai iniciar uma batalha para provar a sua inocência e que o faz também pelo seu país é o mesmo Carlos Cruz que ameaça divulgar publicamente o nome de 200 pessoas, muitas delas figuras públicas, que constavam no processo, mas que não foram consideradas suspeitas, não foram constituídas arguidas nem foram julgadas. Olho por olho, dente por dente.

in "JORNAL DE NOTÍCIAS"
10/09/10

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