28/09/2010

MANUELA ARCANJO



Que grande surpresa


Nesta segunda quinzena do mês de Setembro parecia que tudo estava dentro da normalidade: a abertura do ano escolar, a elaboração do Orçamento do Estado para 2011

Nesta segunda quinzena do mês de Setembro parecia que tudo estava dentro da normalidade: a abertura do ano escolar, a elaboração do Orçamento do Estado para 2011, a insistência de Passos Coelho numa revisão constitucional que só ele considera prioritária, a Assembleia da República tranquila e a chegada do Outono. Bom, diferente mesmo foi a ideia extravagante de José Mourinho poder treinar a selecção nacional nos dois próximos jogos, facto que dominou, com a paixão habitual, a comunicação social.

Mas, de repente, ouço numa estação de rádio que o FMI já estaria em Lisboa! E, a seguir, imensos comentários sobre a, já dada como certa, intervenção desta instituição. Muitos dos "comentadores" explicavam de forma muito assertiva a razão para este facto e davam o País numa situação catastrófica, idêntica à vivida recentemente pela Grécia. E logo surgiram imensas ideias - digamos assim, por respeito - sobre medidas que o Governo deve/tem de tomar ainda este ano para repor a normalidade.

Mas, afinal, o que tinha acontecido assim tão de repente e com uma tal gravidade? Foi fácil perceber que se tinha tratado da divulgação, pelo Ministério das Finanças, do boletim de execução orçamental de Agosto. Abri de imediato o ficheiro para perceber a dimensão da catástrofe orçamental.

Antes de dedicar umas linhas desta crónica aos valores da execução (Janeiro a Agosto de 2010 e variação homologa), devo recordar que logo na apresentação do OE em vigor lhe atribuí um alto risco de execução: num horizonte temporal de elevada incerteza, algumas rubricas da receita e da despesa suscitaram-me sérias dúvidas - certezas só o Ministro das Finanças - sobre a respectiva sobrestimação e subestimação, respectivamente. Adicional e infelizmente, temos sempre de considerar quer as medidas que todos apoiam - incluindo a Assembleia da República - sem pensar nos encargos orçamentais (acordo com os sindicatos dos professores do ensino não superior) quer aquelas que sendo anunciadas encontram dificuldades de implementação (introdução de portagens em algumas das Scut).

Voltemos à execução orçamental agora divulgada. Alguns dos valores eram esperados, como é o caso, por exemplo, do aumento nos Encargos com os Juros da Dívida (8.5%) e da redução de receita em Impostos Directos (-6.7%). Na despesa corrente do Estado, o elevado aumento da Despesa em Pessoal (3.9%) teve um efeito de choque e foi entendida como um sinal de derrapagem. Claro que num ano em que o défice tem de sofrer uma forte redução e tendo em conta que se trata de uma área de despesa que sofreu noutros países Europeus uma dura contenção, é quase obsceno que se apresente esta evolução! Mas, como tudo na vida, tem a sua explicação: lá estão identificados, num texto muito claro, os encargos com docentes e as alterações remuneratórias das forças de segurança e militares. Ninguém deu por isto e/ou também os partidos da oposição estão sempre em campanha eleitoral?

A execução orçamental até Agosto não nos deixa totalmente confiantes no cumprimento da meta do défice sem que novas medidas sejam tomadas até tendo em conta o efeito quase imediato deste "clima catastrófico": Portugal não tem nem vai ter dificuldade de financiamento, mas os juros pagos atingiram na passada semana um valor brutal (6,24%) que exerce uma pressão adicional sobre o OE.

A situação económico-financeira é difícil, mas outra coisa é, por mero jogo político de uns ou por necessidade de protagonismo de outros, gerarmos um ambiente interno que é de imediato aproveitado pelos mercados financeiros.

Claro que o Governo não ajuda: não tem a imagem de força que se impunha neste momento isto é, conseguir dizer basta, saber dizer não e, muito importante, transmitir, a nível interno e internacional, meia dúzia de ideias que se entendam ser uma estratégia.

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista.

in "JORNAL DE NEGÓCIOS"
27/09/10

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